Senadores do Piauí: mais comentado

Em quase 45 anos de carreira, que completo em outubro, nunca fui tão esculhambado como na semana passada.

Dos 222 comentários enviados para o post sobre as eleições no Congresso, a grande maioria me acusou de preconceito contra nordestinos, bairrista decadente, imperialista paulista, só para lembrar os mais educados.

O motivo foi um pequeno texto que escrevi sobre a hegemonia dos senadores do Piauí na Mesa Diretora do Senado Federal, que me chamou a atenção numa foto publicada por O Globo, e foi o assunto mais comentado da semana aqui no Balaio.

Apenas fiz uma constatação, um mero registro da minha surpresa ao ver que de três dos seis senadores da foto eram do Piauí – ou seja, 100% da bancada.

Nem entrei no mérito da atuação parlamentar destes senadores, nem me alonguei em análises políticas, mas apenas indaguei aos próprios leitores qual era a lógica, como entender que outros Estados não tivessem nenhum representante, enquanto o Piauí tinha três naquela foto.

Tratava-se apenas de levantar a questão da proporcionalidade, da representatividade, já que constituímos uma Federação. Se os três fossem de qualquer outro Estado, minha curiosidade para entender esta hegemenia seria a mesma.

O mundo desabou sobre a minha cabeça, como se eu tivesse escrito alguma coisa contra o bravo povo do Piauí, o que é um completo absurdo, como todos poderão ler na crônica que escrevi no meu livro “Cartas do Brasil”, em 1992, e que transcrevo no final deste post (ver nota “Aos leitores do Piauí”).

Em jornalismo e na política, eu sei que as palavras não têm volta, e não adianta querer explicar o que você escreveu, é uma batalha perdida. Devo ter me expressado mal, como diziam os antigos. Mas, ao reler o texto, não vi nenhum motivo para mudar qualquer palavra. Quem não entendeu, ou entendeu tudo errado, paciência.

Não tenho nenhum problema em reconhecer meus erros aqui no Balaio. Acho que este é o único blog que publica, quando é o caso, uma nota “Errei”, em que peço desculpas aos leitores, como já aconteceu.

Quando entraram os primeiros comentários, cheguei a pensar em responder a um por um, mas desisti. Deixei para escrever a todos os leitores neste balanço que faço todos os domingos sobre os assuntos mais comentados da semana.

Tivemos novamente problemas técnicos esta semana, que deixaram o blog fora do ar em alguns dias, e na moderação prévia de comentários, outro tema que motivou muitas críticas de leitores, alguns me acusando de censura, o que é outra bobagem.

Basta ver a quantidade de comentários irados publicados no Balaio com duras críticas ao blogueiro e ao governo Lula, que me acusam de defender, por ser amigo do presidente, como todo mundo que lê este blog está cansado de saber.

O fato é que a moderação prévia criou mesmo um problema para mim e para os leitores, cortando o diálogo entre eles, que era online, e me obrigando a abrir o computador às oito da manhã e só fechar depois das dez da noite, liberando comentários que não contenham ofensas ou acusações sem provas.

Um grupo de fiéis leitores até criou esta semana uma filial do blog no Google, o “Boteco do Balaio” em que eles mantêm a prosa iniciada aqui, sem precisar de moderação.

Caiu drasticamente o número de comentários publicados esta semana _ poucos foram excluídos _, mas não havia outro jeito. Enquanto não é implantado um sistema que permita o cadastramento de leitores para que se mantenha um mínimo de civilidade e responsabilidade neste espaço interativo, que é a riqueza da internet, vai ter que ser assim.

Para se ter uma idéia, o segundo assunto mais comentado da semana, com 217 mensagens, foi a nova pesquisa Sensus sobre a aprovação do governo Lula, que bateu novo recorde, e chegou a 84%. Em dezembro, quando foi anunciada a pesquisa anterior sobre o mesmo assunto, o número de comentários passou de 1.500.

Em terceiro lugar, com 81 comentários, ficou a nota que escrevi sobre a decisão tomada, após reunião com a direção do iG, no começo da semana, de começarmos a fazer a moderação prévia, providência que procurei evitar, como escrevi na apresentação do Balaio, em setembro passado.

Vida que segue. Abaixo, a relação dos três assuntos mais comentados da última semana no Balaio, na Folha e na Veja, as duas maiores publicações impressas do país, que também publicam este tipo de levantamento.

Balaio

Eleições no Congresso: 222

Governo Lula: 217

Moderação prévia: 81

Folha

Eleições no Congresso: 60

Cesare Battisti: 46

Governo Lula: 44

Veja

André Petry: 129

Estrelas gospel: 84

Caso Robinho: 38

Aos leitores do Piauí

Já perdi a conta de quantas vezes estive no Piauí para fazer reportagens, palestras ou lançamentos de livros, além das viagens em que acompanhei Lula como assessor de imprensa nas campanhas presidenciais e depois no governo.

Uma das melhores recordações que guardo foi o comício das Diretas-Já, em 1984, marcado nas proximidades de um quartel. O governo da época tirou de circulação os ônibus, mas mesmo assim o povo foi a pé ou de bicicleta para lotar a praça, deixando emocionado meu amigo Ulysses Guimarães, o grande comandante da campanha.

Para quem me perguntou se eu conhecia o Piauí, garanto que conheço o Estado inteiro, mais do que muita gente que mora lá. Conheço, sim, o Delta do Parnaíba, onde escrevi uma bela reportagem para a revista Época sobre os paraísos turísticos do Brasil.

E nada tenho contra nenhum dos senadores piauienses citados no meu post. Na mesma revista, escrevi uma reportagem sobre o então governador do Estado, hoje senador, que ganhou o título “O Inacreditável Mão Santa”. Ele gostou tanto que mandou comprar um lote de revistas para distribuir nas escolas.

Portanto, quero dizer que fiquei muito magoado com esta história de preconceito e barrismo, dois defeitos que não tenho. Até entendo a reação de muitos leitores, ainda ressabiados com aquela estúpida agressão feita ao Piauí por aquele pessoal do movimento “Cansei”, que cansei de criticar neste espaço.

Mas é preciso tomar cuidado. Quem se faz de coitadinho e, no sentido contrário, ofende os malvados paulistas, pode estar fazendo o jogo dos malandrões, o que explica termos regiões tão pobres no país com líderes políticos tão enricados.

Não estou escrevendo isso hoje para agradar ninguém. Estou velho para fazer média com quem que que seja. Por isso, republico abaixo um texto sobre o Piauí que escrevi há 17 anos no livro “Cartas do Brasil _ Crônicas do ano em que o povo despejou o presidente” (Editora Globo).

O presidente era Fernando Collor de Mello, impichado em 1992, um bom exemplo de que é sempre injusto confundir o povo de um lugar com seus políticos, coisa que nunca fiz.

NUNCA FOMOS TÃO FELIZES

Na semana passada, mais uma vez, tive a certeza de que é só sair da toca para descobrir coisas que nos surpreendem, agradavelmente, em qualquer canto deste nosso imenso Brasil.

Saí de casa na sexta-feira à tarde e até brinquei com a mulher:

“Vou dar um pulinho no Piauí e já volto. Não vai dar tempo nem de sentir saudades”

De fato, peguei um avião às cinco da tarde, cheguei lá às nove da noite para fazer um palestra e, ao meio-dia de sábado, já estava de volta a São Paulo. Nas poucas horas que passei em Teresina, porém, deu para perceber como são injustas as referências que sempre se fazem ao Piauí como sinônimo de fim de mundo, exemplo do Brasil mais pobre e atrasado, lugar inóspito e sem graça.

Para começar, a miséria que hoje toma conta das grandes cidades do chamado Sul Maravilha é muito mais acintosa do que a pobreza dos bairros mais pobres de Teresina por onde passei. A vida por lá ainda flui de forma mais singela, sem a aflição e os brutais contrastes sociais de São Paulo, por exemplo.

Como faz muito calor, mas à noite sopra uma leve brisa, as pessoas ainda mantêm aquele bom e velho hábito de colocar cadeiras nas calçadas, conversar com os vizinhos, jogar dominó nos botecos. Não se ouvem buzinas histéricas, freadas bruscas, aquele som ambiente neurótico das metrópoles. As pessoas falam baixo, sem pressa.

No debate promovido pela Universidade Federal e pelo Sindicato dos Jornalistas do Piauí sobre os rumos do jornalismo e do país, notei que, ao contrário do que se poderia imaginar, lá não se vive naquele clima de desencanto e desespero comum a outras platéias que encontrei durante este ano.

Embora as dificuldades sejam as mesmas de qualquer categoria profissional ou região do páis neste fim de feira do Brasil Novo, as pessoas procuravam mais discutir saídas do que repetir diagnósticos funéreos, aproveitando o encontro para se abastecer de razões de viver e não de argumentos para justificar a omissão e a falta de iniciativa para virar o jogo.

A maior supresa veio depois, quando saímos para tomar uma bem gelada, que ninguém é de ferro. A começar pelo nome do bar aonde me levaram:

“Nunca fomos tão felizes”.

O dono do bar deve ser um tremendo gozador, pensei. Pois não é que o alto-astral da freguesia estava absolutamente de acordo com o bar? Como é possível isso num lugar em que os jornalistas, mesmo os mais competentes, ganham salários tão baixos?

Não, não encontrei lá uma confraternização de banqueiros, empreiteiros e republicanos das Alagoas para justificar este astral. Tinha de tudo. Muita menina bonita, gente moça e gente velha, falando da brisa gostosa, do jogo de domingo, das festas programadas para o final da semana.

Por mais que se esforce, o governo ainda não conseguiu tirar o bom humor dessa gente, que até brinca com a desgraça, sua melhor vingança contra a malta de Brasília.

“A situação está de um tal jeito que já tem nego latindo no quintal para economizar cachorro’, ouvi alguém comentar na mesa ao lado, como se estivesse falando de um outro país, de um outro povo, lá longe.

Em tempo: Ao reler e transcrever este texto não me lembro de ter sido atacado na época por ter feito esta referência ironica aos “republicanos das Alagoas”. Nenhum alagoano reclamou. É verdade que naquela época não existia internet e este texto foi publicado originalmente em jornal.

Em tempo 2: Nem me lembrava desta honra, mas o prefácio do livro “Cartas do Brasil” foi escrito pelo meu amigo Luiz Inácio Lula da Silva, na época apenas candidato derrotado nas eleições de 1989, que foram vencidas por Fernando Collor de Mello. No último parágrafo do texto, Lula escreveu a meu respeito:

“Enfim, Ricardo Kotscho sustenta aqui, como principal tese deste livro, de tudo o que ele já escreveu e de tudo o que faz na vida, que o Brasil tem jeito.

E eu assino embaixo.

Luiz Inácio Lula da Silva

Outubro de 1992″


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