Imprensa: os dois lados do balcão

Qual a diferença entre trabalhar como repórter numa redação e exercer a função de assessor de imprensa?

Já fiz dezenas de palestras nos últimos anos para falar da minha experiência profissional nestes diferentes campos do jornalismo – ou seja, sobre “os dois lados do balcão”, como se costuma dizer no jargão das redações.

A convite do meu colega Alcides Ferreira, diretor de comunicação da BM&FBovespa, estive lá na terça-feira para falar aos dirigentes desta instituição num pequeno seminário do qual participaram também os jornalistas Milton Gamez, da IstoÉ Dinheiro, Cristiane Perini Luchesi, do Valor Econômico, e Marcelo Mendonça, da TAM.

Tivemos todos uma bela aula sobre as origens e os desdobramentos da chamada crise econômica mundial dada pela Cristiane Luchesi, jornalista da maior competência, que fala de assuntos sérios sem nunca perder o bom humor.

Em apenas 15 minutos, aprendi mais com a palestra dela sobre o tema do que em todas as matérias e análises que já havia lido nos últimos meses em toda a nossa imprensa (tenho o péssimo hábito de não ler o Valor).

Descobri que para entender o que está acontecendo no Brasil e no mundo neste momento é preciso ler este jornal, principalmente as matérias da Cristiane.

Abaixo, autorizado pelo Alcides Ferreira, a quem agradeço, reproduzo a minha palestra, baseada em quatro pontos que ele me sugeriu, por entender que este é um assunto que interessa a todos os leitores e não apenas às fontes e aos profissionais de imprensa.

OS DOIS LADOS DO BALCÃO

1. De repórter a assessor, o que demandava, que demandas atendeu.

Não tinha nenhuma experiência anterior como assessor de imprensa.

Quando exerci este papel, pela primeira vez, na campanha presidencial de 1989, depois de trabalhar por mais de duas décadas como repórter, tive que começar do zero.

E, como não sabia fazer de outro jeito, procurei fazer na assessoria exatamente o que fazia nas redações: garimpar informações e divulgá-las da forma mais correta possível.

A única diferença é que estas informações, em lugar de serem publicadas num jornal ou revista, eram fornecidas aos meus colegas jornalistas, de viva voz ou por escrito.

Uma das minhas primeiras tarefas foi acompanhar, por mais de um mês, as viagens internacionais do então candidato à Europa e América Latina, no início de 1989.

Nos países onde não havia correspondentes – e, portanto, não havia como organizar coletivas -, eu preparava um texto sobre o dia do candidato, exatamente como se estivesse escrevendo para o jornal e o enviava para um colega no comitê, que o retransmitia por telex para as redações.

Alguns jornais regionais chegaram a assinar estas matérias/releases e reclamavam quando eu atrasava o dead-line

Faria o mesmo ao longo da campanha em algumas regiões mais remotas do Brasil, pois, no início, poucos veículos mandavam enviados especiais para acompanhar o candidato do PT.

Como o próprio Lula é seu melhor porta-voz e excelente comunicador, embora não tenha diploma, meu trabalho no final da campanha consistia, basicamente, em marcar entrevistas e convencê-lo a atender à minha agenda de imprensa.

Assim seria também nas campanhas de 1994 e 2002, e nos dois anos em que trabalhei como Secretário de Imprensa da Presidência da República, em 2003 e 2004.

Para mim, tudo é jornalismo, tudo tem que ser bem feito, tem que ser honesto – e não importa se estou trabalhando numa redação ou numa assessoria de imprensa.

A matéria prima é a mesma: a informação de qualidade, quer dizer, bem checada e confiável para divulgação.

Caso contrário, meu trabalho não serviria nem para o governo, nem para a imprensa.

Tanto isso é verdade, que, a certa altura do campeonato, o então candidato e depois presidente chegou a reclamar comigo, brincando:

“Você parece mais assessor da imprensa do que meu assessor de imprensa”.

Foi o maior elogio que recebi na minha breve carreira de assessor

2. Como é a relação com a imprensa: procedimentos, cuidados, focos.

No governo, procurava atender às demandas dos repórteres que faziam a cobertura da Presidência – e são dezenas -, indo atrás de informações nas diferentes áreas do governo e repassando-as à imprensa.

Desde o primeiro dia, tomei a decisão de não falar em “off”, nem dar informações exclusivas a ninguém.

Atendia a todos os jornalistas de qualquer veículo da mesma forma. Corria atrás de respostas para as perguntas que me faziam ou colocava-os em contato com quem no governo pudesse fornecer estas informações.

Na função de Secretário de Imprensa e Divulgação, procurei agir exatamente como esperava que os assessores agissem comigo quando era repórter: nunca tirá-los do caminho certo, mesmo quando a pauta era inconveniente ao governo, e ajudá-los na apuração das suas matérias.

Posso não ter sido muito eficiente neste meu papel de assessor-repórter, não fornecendo todas as informações que eles queriam, mas posso garantir a vocês que nunca passei uma informação errada a nenhum deles.

O problema é que muitos repórteres não iam atrás de informações em “on”, mas apenas de futricas em “off”, e tenho verdadeira ojeriza a este tipo de jornalismo, tanto como assessor como enquanto repórter.

Isto me causou problemas com alguns colunistas e repórteres especiais, antes habituados a falar diretamente com os presidentes, conversando por telefone ou sendo convidados a tomar um cafezinho no final da tarde no gabinete, onde garimpavam suas informações exclusivas.

O presidente Lula não fazia isso e, pelo menos nos primeiros tempos de governo, dificultou muito meu trabalho de agendar compromissos com a imprensa, especialmente entrevistas exclusivas.

Quando as coisas iam bem, ele achava que não precisava falar muito com a imprensa. E, quando iam mal, simplesmente não queria falar.

Como chegava a fazer dois ou três discursos por dia, achava que não precisava disso.

Neste ponto, o Franklin Martins teve mais sorte ou mais competência do que eu. Desde o início do segundo mandato, o presidente desandou a falar com a imprensa e já concedeu algumas centenas de entrevistas a Deus, ao diabo e a todo mundo.

E tenho certeza de que isso foi bom para o governo, bom para a imprensa e, portanto, bom para o país. Parabéns para os dois.

3. A crise: a relação com a imprensa

No período em que trabalhei no governo, até não posso reclamar de grandes crises, diante do que viria depois, a partir de 2005.

Mas me lembro que sempre procurava me antecipar a elas, evitando, se possível, que acontecessem (conto alguns episódios no meu livro “Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras).

Meu trabalho não se limitava a passar informações do governo para a imprensa, mas também conversar com os jornalistas para informar o governo sobre possíveis problemas que poderiam acontecer.

Naquela época, o grande Chico Buarque deu uma idéia muito boa, que, infelizmente, não foi levada adiante: a criação do Ministério do Vai dar Merda.

Tem certas coisas tão óbvias, como a gente vê muito nas vídeo-cassetadas do Faustão, que alguém precisa alertar os governantes sobre os perigos que correm de graça ao tomar certas decisões precipitadas.

Foi o caso, por exemplo, do episódio Larry Rother, que causou um enorme desgaste ao governo e, simplesmente, não precisaria ter acontecido.

Hoje já existem até rentáveis empresas especializadas em gerenciamento de crises, mas ainda acho que o principal papel de um assessor de imprensa é trabalhar até o limite do bom senso para evitar que estas crises aconteçam.

Por isso, defendo que os assessores de imprensa, em governos ou empresas, participem sempre do processo de decisão e não sejam chamados apenas para apagar incêndios depois que o estrago já foi feito.

4. Regras de ouro para uma boa divulgação.

Não sei se o meu tempo já está estourando, mas este último item do roteiro me permite falar de uma regra de ouro que aprendi para uma boa divulgação.

Vale não só para o governo, mas para qualquer empresa ou instituição.

Não devemos nunca confundir divulgação jornalística com propaganda, um erro muito comum em todos os meios e latitudes.

Certa vez, até brinquei com meus colegas de governo, dizendo que a diferença entre jornalismo e propaganda é bem simples.

Jornalismo é tudo aquilo que a imprensa divulga e a gente acha ruim.

Propaganda é tudo aquilo que a imprensa divulga e a gente gosta.

Jornalismo é, por natureza, uma atividade crítica, investigativa, que procura denunciar o que há de errado para que seja consertado.

É fato jornalístico tudo aquilo que foge à normalidade, seja em qual campo for, como acontece nas tragédias naturais ou nas grandes crises econômicas.

Sei que isto varia de um veículo para outro, e hoje já não se respeita tanto aquela velha separação entre Igreja e Estado – ou seja, entre a redação e o departamento comercial. As coisas mudaram muito neste campo.

Mas, se os dois lados do balcão estiverem agindo de boa-fé, é perda de tempo vender propaganda para jornalista e jornalismo para publicitário.

O que quero dizer com isso? Toda informação passada a um jornalista não pode ser de interesse apenas do governo ou da empresa.

Esta informação tem que ser, necessariamente, de interesse de toda a sociedade. Precisa apresentar um fato de interesse jornalístico.

Se o assessor não tiver esta informação, que busque alguém da instituição que lhe paga o salário para fornecê-la ao jornalista – ou, então, simplesmente, diga que não está autorizado a falar sobre este assunto.

Antes que me perguntem se no governo poderia fornecer todas as informações de que dispunha, inclusive as que eram contra os interesses do governo, já vou logo respondendo que não.

Também nunca escrevi nada contra os interesses do Estadão, do JB, da revista Istoé, da Folha, da Globo, da Bandeirantes, do SBT, da revista Época, nem de nenhum outro veículo onde já tenha trabalhado.

Por isso é que continuo amigo de todo mundo dos dois lados do balcão e sei que tenho as portas abertas para voltar quando quiser.


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