Estelionato, roubo, estupro, e a liberdade

A decisão tomada no último dia 5 pelos ministros do Supremo Tribunal Federal de só manter na cadeia quem já estiver condenado em última instância, com processo transitado em julgado e sem direito a mais nenhum recurso em nenhuma instância, já deu os primeiros resultados.

De acordo com a nova jurisprudência da “presunção da impunidade”, como bem definiu o jornalista Frederico Vasconcelos, mandaram soltar estupradores, ladrões qualificados e estelionatários – nenhum deles pé-de-chinelo.

Quem serão os próximos? O juiz Nicolau dos Santos Neto, responsável pelo desvio de R$ 170 milhões de dinheiro público, há um tempão em prisão domiciliar, ou o casal Nardoni, acusado de jogar pela janela a própria filha?

Este foi o assunto mais comentado pelos leitores do Balaio na última semana, quando completamos cinco meses no ar e mais de 200 matérias publicadas.

Em sua ampla maioria, quase unanimidade, os leitores mostraram indignação com a decisão do STF, reafirmando um sentimento perigoso para a democracia: o completo descrédito na Justiça.

Para completar, na última semana os nobres ministros voltaram a reivindicar aumento nos seus salários, que já são os maiores do país na área pública.

Como veremos abaixo, no ranking que publico todo domingo com os três temas que mais motivaram os leitores a participar dos debates no Balaio, juntamente com o levantamento feito pela Folha e pela Veja, diminuiu bastante o número de comentários no blog após a introdução do sistema de moderação prévia.

Boa parte dos leitores deixou de participar das discussões – alguns bons parceiros até criaram no Google uma filial chamada “Boteco do Balaio” -, mas sou obrigado a reconhecer que a cada dia o nível dos comentários vem melhorando, sem as baixarias e ofensas dos cachorros loucos da internet.

Durante toda a semana, me vi obrigado a excluir não mais do que meia dúzia de comentários. Aos poucos, vamos voltando à normalidade também na área técnica, depois de superados problemas que nos deixaram fora do ar por longos períodos nas últimas semanas.

Continuaram chegando comentários relativos a assuntos da semana anterior, como a eleição de três senadores do Piauí, ou 100% da bancada, para a Mesa Diretora do Senado, matéria que causou muita polêmica.

A propósito, transcrevo abaixo, no final do post, o artigo publicado esta semana por Mauro Sampaio na Coluna Brasília do site Acesse Piauí, com o título “Os piauienses nunca fomos tão coitadinhos”.

Os números da semana:

Balaio

Impunidade/STF: 94

“Loucos por futebol”: 48

Frei Betto/novo livro: 43

Folha

Educação: 77

Castelo de deputado: 53

Caso Battisti: 41

Veja

Charles Darwin: 236

PMDB: 16

Diogo Manardi: 11

A seguir, o artigo de Mauro Sampaio:

Os piauienses nunca fomos tão coitadinhos

Lembra daquela propaganda das sandálias Havaianas? Numa praia qualquer, na Bahia ou no Rio de Janeiro, dois brasileiros lamentam a vida miserável de tantos compatriotas. Mas, bastou um argentino se meter na conversa, espantando-se com a contradição entre a pobreza da maioria da população e a extravagância das riquezas naturais, para que os canarinhos reagissem. Não, não há problemas por aqui. Este é um País que está sempre à frente. No Piauí, é mais ou menos assim. Qualquer crítica de fora é vista como discriminação. Não dá para esconder, o piauiense tem complexo de perseguido. É um injustiçado. Um coitadinho. Autoestima lá embaixo.

Exemplo quentinho de nossa fragilidade psicológica: semana passada, eleita para compor a Mesa Diretora do Senado Federal toda a bancada do Estado, soltamos foguetes como se o Piauí finalmente tivesse conquistado o pódio. A situação, inédita, não passou de uma casualidade na divisão dos cargos aos partidos políticos. Como os três senadores são de legendas diferentes, foram indicados sem disputa interna para as secretarias reservadas ao DEM (de Heráclito Fortes), ao PTB (de João Vicente Claudino) e ao PMDB (de Mão Santa). Nada a ver com uma redenção do Piauí.

O jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor do presidente Lula, resolveu escrever sobre o caso em seu “Balaio”, na internet. Rapidamente foi acusado de discriminar e destilar preconceito contra nós, pobres e coitadinhos. Ele, um “paulista malvado”, reagiu às críticas. Em carta publicada no último domingo (8) “Aos leitores do Piauí”, Ricardo Kotscho repudia a acusação de que tenha sido preconceituoso.

Ele manda ver: “E nada tenho contra nenhum dos senadores piauienses citados no meu post. Na mesma revista (cita reportagem da revista Época sobre o Delta do Parnaíba), escrevi uma reportagem sobre o então governador do Estado, hoje senador, que ganhou o título ‘O inacreditável Mão Santa’. Ele gostou tanto que mandou comprar um lote de revistas para distribuir nas escolas. Portanto, quero dizer que fiquei magoado com esta história de preconceito e bairrismo, dois defeitos que não tenho. Até entendo a reação de muitos leitores, ainda ressabiados com a estúpida agressão feita ao Piauí por aquele pessoal do movimento ‘Cansei’, que cansei de criticar neste espaço. Mas é preciso tomar cuidado. Quem se faz de coitadinho e, no sentido contrário, ofende os malvados paulistas, pode estar fazendo o jogo dos malandrões, o que explica termos regiões tão pobres no País com líderes políticos tão enricados”.

Abaixo de sua carta de desabafo aos coitadinhos, Ricardo Kotscho prova que é verdade não ter manifestado um preconceito ao Piauí ao escrever sobre a presença de toda a sua bancada na Mesa Diretora do Senado Federal. Numa crônica escrita em 1992, publicada no livro ‘Cartas ao Brasil’, o jornalista faz uma homenagem a Teresina: à sua ‘leve brisa’ noturna depois de um dia de muito calor; ao ‘velho hábito’ dos moradores ‘de colocar cadeiras nas calçadas, conversar com os vizinhos, jogar dominó nos botecos’; o ‘falar baixo e sem pressa’ de sua gente; ao trânsito sem ‘buzinas histéricas’. Tanta coisa mudou na cidade 17 anos depois, algumas para pior, mas o elogio demonstra-se sincero.

O “malvado paulista” terminou a noite jogando conversa fora e tomando uma “gelada” no extinto “Nunca Fomos Tão Felizes”, que também era conhecido como o “Bar da Frase”. Ficava numa casa perdida em alguma rua do nobre Jóquei Clube. O título da crônica leva o nome do bar.

Olha só como Ricardo Kotscho gostou da noite com alguns felizes piauienses: “Não, não encontrei lá uma confraternização de banqueiros, empreiteiros e republicanos das Alagoas (estávamos presenciando o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello) para justificar este astral. Tinha de tudo. Muita menina bonita, gente moça e gente velha, falando da brisa gostosa, do jogo de domingo, das festas programadas para o final de semana. Por mais que se esforce, o governo ainda não conseguiu tirar o bom humor dessa gente, que até brinca com a desgraça, sua melhor vingança contra a malta de Brasília. ‘A situação está de um tal jeito que já tem nego latindo no quintal para economizar cachorro’, ouvi alguém comentar na mesa ao lado, como se estivesse falando de um outro país, de um outro povo, lá longe.”

Do jeito que ampliamos nossa condição de coitadinhos de 1992 a 2009, mesmo que tenhamos melhorado no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é capaz de alguém ler a crônica “Nunca Fomos Tão Felizes” e achar que Ricardo Kotscho apenas teve pena do Piauí. Falta-nos identidade para não ligar tanto, e a toda hora, sobre o que dizem (ou não dizem) de nós. Infelizmente, nunca fomos tão coitadinhos.


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