Gigante dos palcos

Em A última gravação de Krapp e Atos sem palavras, 2008 Foto: Guga Melgar
Com o perdão do clichê, é praticamente impossível abrir um texto sobre Sergio Britto sem apelar para o lugar comum: “Sua história se confunde com a do teatro brasileiro”. Afinal, como diria outro milenar provérbio “contra os fatos não há argumentos”. E Britto foi um gigante. Morto em 2011 em decorrência de problemas cardiorrespiratórios, ele teria completado 90 anos em junho último. Ao devotar a vida aos palcos, foi um dos protagonistas das transformações experimentadas pelo teatro brasileiro a partir dos anos 1950.

Carioca da mesma Vila Isabel que nos deu o gênio Noel Rosa, Sergio Britto foi o segundo filho do casal Lauro, funcionário público, e Alzira, dona de casa. Aos 20 anos, em 1943, para o desespero da família, abandonou o curso de Medicina, no 6o ano, para ingressar no Teatro do Estudante do Brasil (TEB), de Pascoal Carlos Magno, considerado introdutor do ofício de diretor teatral no País. Ao virar a mesa, o ator deu início a uma trajetória irrepreensível que ajudou a renovar a dramaturgia brasileira em espaços históricos de experimentação, como o Teatro dos Doze (criado, em 1949, por ele, um grupo de jovens atores e o amigo Sergio Cardoso, também egresso do TEB), o Teatro de Arena e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).

Entre 1959 e 1963, ao lado de Fernanda Montenegro e seu marido, Fernando Torres, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petrucelli e Alfredo Souto de Almeida, Britto fundou o Teatro dos Sete. Além de conquistar uma série de importantes prêmios, como o Governador do Estado do Rio e o APCT (conferido pela Associação Paulista de Críticos Teatrais), a companhia foi fundamental para valorizar obras de autores brasileiros, como Arthur Azevedo, Martins Pena e Nelson Rodrigues. Entre os anos 1960 e 2000, como ator, diretor ou produtor, esteve envolvido em quase uma centena de produções teatrais e em 16 filmes, atuando como ator e roteirista, além de dirigir óperas.

Não bastasse tudo que fez pelo teatro, Britto também ajudou a consolidar a arte dramática na vitrine popular da TV quando dirigiu, por sete anos, o Grande Teatro Tupi, na extinta emissora de mesmo nome. O programa levou ao ar, entre 1954 e 1961, montagens de cerca de 400 espetáculos, escritos por dramaturgos nacionais e estrangeiros. Foi nesse teleteatro, exibido em horário nobre às segundas-feiras, que grandes atores começaram a fixar seus nomes no imaginário nacional. O programa ajudou a consolidar carreiras de grandes estrelas: Fernanda Montenegro, Francisco Cuoco, Ítalo Rossi, Zilka Salaberry e Nathalia Timberg. O semanário também revelou jovens talentos, como os atores Irene Ravache e Claudio Cavalcanti, e o dramaturgo e cineasta Domingos de Oliveira.

Outro dado histórico na carreira do ator e diretor: se a Rede Globo há décadas é referência no quesito telenovelas, ao lado de Líbero Miguel, Britto codirigiu a primeira produção da emissora carioca, Ilusões Perdidas, que foi ao ar em 1965. Mas as incursões teledramatúrgicas não pararam por aí. Entre novelas e minisséries, ele atuou em mais de 30 produções – algumas de sucesso, como Anjo Mau (Rede Globo), Pantanal (Rede Manchete), Sangue do Meu Sangue e A Muralha (TV Excelsior).

Como os louros de uma trajetória tão rica jamais caberiam no espaço destas páginas, aos interessados uma boa notícia: Ocupação Sergio Britto fica em cartaz até o final de janeiro de 2014. A mostra tem curadoria de Hermes Frederico (atual coordenador da Casa de Arte das Laranjeiras, a CAL, centro de formação de atores criado por Britto e a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller, em 1982), e coordenação de Marília Britto, sobrinha do artista, e cenografia de José Dias.

Dedicada a reverenciar o legado de artistas brasileiros, a série Ocupação já prestou tributo a Rubem Braga, Gilberto Gil, Angeli, Hélio Oiticica e Nelson Rodrigues, entre outros. Sergio Britto é o 16o personagem da série. É ele quem “recepciona” os visitantes – a Ocupação é composta por um vídeo de 20 minutos, em que o artista antecipa a viagem memorial que revisita seus 65 anos de carreira, a partir de imagens históricas. O “embarque” é realizado a cada meia hora, 35 visitantes por vez, e o vídeo tem início com Britto afirmando: “Eu quero desabotoar minha camisa de memórias e provar ao público que ainda estou vivo”. Não resta dúvida, com seu legado atemporal, Sergio Britto “viverá” por muitas gerações.

Serviço
Ocupação Sergio Britto – Itaú Cultural 
Avenida Paulista, 149 São Paulo, SP
Até 29 de janeiro de 2014
Segunda a sexta a partir das 10 horas
Sábados, domingos e feriados a partir das 11 horas


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.