Milhões nas ruas, nenhuma desgraça

Para quem gosta de notícia ruim, o Carnaval brasileiro deste ano foi um grande fracasso.

Milhões de pessoas pularam, dançaram e se esbaldaram durante quatro dias e quatro noites nas ruas e nas praças deste imenso país, e não aconteceu nenhuma tragédia, nenhuma desgraça, nada que rendesse uma manchete negativa, tão ao gosto dos nossos editores.

Depois de ler os principais jornais nacionais e percorrer o notíciário da internet, em busca de algum assunto que rendesse matéria para o Balaio nesta Quarta-Feira de Cinzas, fiquei decepcionado.

Cheguei à conclusão de que a grande notícia foi exatamente a anti-notícia, a falta de notícias que dominou o Carnaval, tirando, é claro, as futricas e fofocas dos camarotes dos bacanas.

E acho isto muito bom, uma coisa fantástica, uma benção que se renova a cada ano, a demonstrar que, apesar de todas as crises e desgraças do noticiário do dia a dia, reais ou imaginárias, o brasileiro continua tendo esta capacidade de se divertir sem medo de ser feliz.

Claro que sempre vai ter gente que não gosta, vai reclamar que o Brasil tem feriados demais. Imagina ficar pulando Carnaval deste jeito, em plena crise mundial?!

Basta ler as cartas dos leitores de O Globo, reclamando da sujeira e do barulho provocados pelos blocos que se multiplicam pelas ruas do Rio de Janeiro ou dos trios elétricos em Salvador, e até da presença do presidente Lula no Sambódromo.

Eu mesmo faz tempo que não ligo mais para Carnaval, depois de passar anos fazendo a cobertura dos desfiles das escolas de samba em São Paulo, para o Estadão e depois para a Folha, seguindo cada uma delas pela antiga pista da avenida Prestes Maia, trabalho que me deixou meio surdo até hoje.

Mais tarde, ainda peguei um tempo bom do Carnaval de rua e no salão paroquial de Porangaba, em que minhas filhas e suas amigas de São Paulo saíam na Escola de Samba Verde e Branco, bons tempos em que todo mundo ainda se conhecia naquela pacata cidade e colocava cadeiras nas calçadas para ver o desfile.

Mas eu não vou ficar agora blasfemando contra esta grande festa popular brasileira, única no mundo, que atrai gente e divisas de todos cantos, com o desfile das escolas do Rio sendo transmitido para mais de 100 países. Aproveito para colocar minhas leituras em dia e fico na minha, não invejo quem tem folego e disposição para pular quatro dias sem parar.

Ao contrário, fico feliz em ver as pessoas se divertindo sem culpa, inventando suas fantasias, brincando com o destino, dando a volta por cima nas mazelas do cotidiano, nas mil e uma manifestações da mais genuína cultura popular nas diferentes regiões do país.

Morei por algum tempo na Alemanha, onde era correspondente do antigo Jornal do Brasil, e lá também fiz cobertura de Carnaval, se é que aquela festa cheia de ritos, formalidades e não-me-toques, sem graça e sem pecado, pode ter este nome – e morria de saudades do Brasil.

Sou filho de imigrantes europeus que para cá vieram depois da Segunda Guerra, e foram eles que me ensinaram a amar este povo e este chão, com todos os seus problemas economicos e imensas desigualdades sociais, porque nunca foram tão felizes em nenhum outro dos muitos lugares em que viveram antes.

Já no final da vida, sem nenhuma vontade de voltar para a Europa, nem a passeio, minha mãe, filha de alemães nascida na antiga Checoslováquia, não perdia um desfile de escola de samba. Passava o Carnaval inteiro com a televisão ligada e um sorriso no rosto.


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