Nossos liberais, cegos e mordazes

INFRAESTRUTURA - O País passa por altos investimentos e está atento em manter a estabilidade econômica  Crédito: Regina Santos/Norte Energia
INFRAESTRUTURA – O País passa por altos investimentos e está atento em manter a estabilidade econômica. Foto: Regina Santos/Norte Energia

Os objetivos da política econômica de crescimento podem ser resumidos em duas vertentes complementares: (1) criar e assegurar empregos; (2) distribuir e manter o crescimento da renda real por habitante. A sustentabilidade dessas fontes de crescimento consiste na habilidade da política macroeconômica em coordenar as expectativas dos agentes econômicos em relação aos preços, taxa de câmbio, juro real, emprego, salário real e déficit na conta-corrente do balanço de pagamentos. 

Em um mundo globalizado, manter a estabilidade desses indicadores é uma tarefa hercúlea. Nenhuma nação é uma ilha. Qualquer desestabilização de uma, por menor que seja, influencia o comportamento das demais. Em tese, o sucesso da política econômica ocorre quando há convergência dessas expectativas em relação à estabilidade. Isso é um fato raro. Desde 2010, a política econômica brasileira tem direcionado seus esforços para conter os efeitos negativos da crise financeira e fiscal dos países desenvolvidos – Estados Unidos e União Europeia.

Em 2010, o cenário da economia global era de que haveria uma ruptura na região do euro entre os países centrais e os menos desenvolvidos – Grécia, Irlanda, Itália, Espanha e Portugal sairiam da zona do euro. Isso ocorreria por conta da evolução explosiva das dívidas pública e privada, dos gastos fiscais, do desemprego e da desconfiança na solidez do sistema financeiro europeu. Em três anos, entre 2007 e 2010, a dívida pública dos países do euro passou de 60% para 80% do PIB, mas a dos países da periferia saltou de 77% para 102% do PIB. Em 2010, as dívidas privadas – famílias e empresas não financeiras – e públicas somavam 300% do PIB da região do euro. São dívidas impagáveis. O desemprego médio na região ultrapassou 10% e, nas economias menos competitivas, chegou a 14,5%.

Após 2009, nos Estados Unidos, a recessão econômica avançou. O desemprego atingiu 12%. Para evitar uma segunda Grande Depressão Econômica, entre 2009 e 2010, o Tesouro do governo norte-americano emitiu US$ 5,2 trilhões em estímulos fiscais e socorro aos bancos. E o Banco Central norte americano, FED, mais US$ 2,1 trilhões para comprar títulos sem liquidez ou impagáveis existentes no sistema financeiro. Essa quantidade de dinheiro representou 14% do PIB mundial. O FED passou a emitir US$ 85 bilhões mensais com o objetivo de manter juros baixos e facilitar tanto o crédito ao consumo como a renegociação das dívidas privadas no setor imobiliário.

Embora se tenha afastado o cenário econômico catastrófico, não se pode descartar um novo solavanco na economia internacional a partir de 2014. Existe a possibilidade de o FED terminar com o processo de emissão mensal de dólares para a compra de títulos. Se isso ocorrer, haverá uma nova desordem monetária e cambial no mundo, com queda nas bolsas de valores e desequilíbrio no fluxo de moedas entre nações. O que se depreende dessa conjuntura é que, mal se encerrou um ciclo de crise financeira (2009-2010), poderá iniciar-se uma nova fase de incertezas econômicas. Em suma, as políticas econômicas dos Estados Unidos e da zona do euro caminham na contramão do crescimento: austeridade fiscal, crescente endividamento público e privado, juros reais próximos de zero, possibilidade de deflação, acompanhado de desemprego elevado.

A economia brasileira vive uma situação inversa à das nações desenvolvidas: elevado nível de emprego, pressão inflacionária, gastos públicos crescentes, juros reais elevados e amplo programa de investimentos na logística de transportes e na infraestrutura (pré-sal e energia elétrica). Entretanto, a economia brasileira não é uma ilha. Diante do cenário internacional apresentado, a política macroeconômica brasileira se articula para manter o nível de emprego e da renda real, assim como a estabilidade das expectativas em relação aos principais indicadores econômicos. Isso tem sido alcançado com certo êxito por meio de medidas de estímulos fiscais e monetários, que resultaram no crescimento de 7,5% em 2010. Após esse ano, o crescimento não foi tão expressivo. Por conta disso, surgem os descontentes: os liberais.

A crítica ao “pibinho” e à política fiscal tem sido mordaz e cega. As medidas econômicas adotadas asseguraram o elevado nível de emprego e evitaram a recessão econômica. Afirma-se que, após a crise de 2009, a taxa de crescimento das despesas do governo central aumentou acima da taxa de crescimento das receitas. Isso é verdade, mas, no meio do furacão da crise global, havia outra opção? O governo central perdeu receita por conta da política de elevação da competitividade industrial por meio da eliminação de impostos na folha de pagamento, e de estímulos fiscais ao consumo.

No período anterior à crise, entre 2003 e 2008, as receitas líquidas cresceram 14,2% ao ano, e as despesas 13,6% ao ano. No período da crise, entre 2009 e 2012, essa situação se inverteu: as receitas líquidas cresceram 11% e as despesas 12,8%. No entanto, com o término da política de estímulo fiscal ao consumo, a partir de 2014, as receitas serão crescentes ao mesmo ritmo anterior à crise de 2009.

Ao longo dos últimos dez anos (2002-2012), a realidade das contas públicas é de redução consistente nos gastos com pessoal e encargos, mas expressivo aumento nas despesas com a previdência. Esta requer reformas, mas o Parlamento impede que isso aconteça ao propor mais aumentos por meio da extinção do fator previdenciário. Supondo que essa imprudência política não ocorra, mas que se possa, ao menos, estabilizar o déficit do INSS, as despesas primárias serão cadentes, aumentando o controle nas contas públicas.1*

 PODER DE CONSUMO - Medidas econômicas asseguraram elevado nível de emprego em todo o Brasil

PODER DE CONSUMO – Medidas econômicas asseguraram elevado nível de emprego em todo o Brasil

Os gastos com o seguro-desemprego elevaram-se por razões diferentes do que se discute na mídia. O número de trabalhadores subiu de 80 milhões para 95 milhões, entre 2002 e 2012. Isso representa um acréscimo de 19%. O número de beneficiários com direito ao bônus do seguro-desemprego cresceu 67%, e as despesas aumentaram, em média, 17% ao ano, no período. A política de reajuste do salário mínimo resultou em um crescimento de 54% acima da produtividade, no período – o que tem gerado muitas distorções no mercado de trabalho. Sendo assim, foram dois os fatores que elevaram as despesas com o seguro-desemprego: a política de reajuste do salário mínimo e o crescimento do número de beneficiários, uma vez que a rotatividade tem se mantido constante. Portanto, o governo não está criando essas despesas. Elas avultam por conta do ingresso de novos trabalhadores no mercado formal. 

Há a crítica de que a dívida bruta tem crescido. De fato, em 2009, a dívida bruta do governo federal atingiu 61% do PIB, mas, desse ano em diante, caiu para 58,7% do PIB (2012). Para um país emergente, ainda pode ser considerada uma dívida elevada. Porém, cabe ressaltar que esse aumento não tem sido para pagar juros da dívida pública interna ou externa, mas para gerar novos investimentos e riqueza nacional por meio dos repasses do BNDES. Afirma-se que a maior parte dos financiamentos do BNDES se destina às grandes empresas. Isso não é verdade. Do total dos recursos de financiamento, 36% têm sido direcionados às grandes empresas e 36% às pequenas e médias, e esse último grupo tende a ser maior nos próximos anos.

A redução do déficit na conta-corrente do balanço de pagamentos não dependerá somente de uma taxa de câmbio mais competitiva, mas da competitividade do setor exportador, o qual, por sua vez, depende de infraestrutura mais eficiente. Neste momento, o importante é discutir os instrumentos de financiamento dos projetos de logística de transportes. Serão investidos mais de R$ 500 bilhões em quatro anos (2014-2018). Um dos principais instrumentos serão as debêntures de infraestrutura, que renderão muito mais que a taxa real de juros da poupança ou dos fundos de investimento, com um diferencial: serão isentas de imposto de renda.

Entretanto, deve-se permitir que a classe trabalhadora, como se faz na China, tenha acesso à compra das cotas dos fundos de investimento em infraestrutura das debêntures a fim de que possa construir tanto a poupança e o mercado de renda fixa de longo prazo, como robusto mercado de previdência privada. Caso contrário, essa oportunidade de investimento será exclusiva dos bancos nacionais e internacionais. Esse é o debate relevante atual. Qualquer discussão à parte constituirá argumentação ideológica que não alimenta e não assegura o futuro de ninguém. Os riscos da sustentabilidade do crescimento não estão na política fiscal ou monetária, mas na ausência de uma política industrial de longo prazo com vista à sua integração global.


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