Poucas vezes na minha carreira me senti tão feliz com a profissão como ontem, quarta-feira, ao fazer a reportagem sobre um dia na vida do maestro e pianista João Carlos Martins e sua Orquestra Filarmonica Bachiana (a titular e a formada por jovens), que será publicada na edição de abril da revista Brasileiros.
Aos 68 anos, depois de passar por nove cirurgias para poder voltar a tocar piano, sem as mordomias dos grandes artistas de seu porte, Martins embarcou num ônibus, saindo do centro de São Paulo, às 8h30 da manhã.
Junto com seus músicos, seguiu rumo ao Rio de Janeiro, onde fariam uma apresentação à noite em comemoração aos 10 anos do IBDD (Instituto de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiências).
Parecia contente como menino que vai fazer uma excursão com seu time de futebol de colégio. João Carlos martins tinha chegado em casa à meia noite, depois de uma apresentação da Orquestra Jovem, em Valinhos, no interior de São Paulo, na quarta-feira.
Às oito de quinta, já estava a mil, depois de dormir apenas três horas e subir e descer os 16 degraus que ligam os dois pisos do seu apartamento nos Jardins, como faz todos os dias.
Brincando com cada um, foi-me apresentando alguns dos 31 músicos, entre profissionais e jovens, que pela primeira vez se apresentariam juntos num concerto, e se emocionou ao ser festejado por um morador de rua que o reconheceu e lhe deu um beijo na testa.
“É o senhor mesmo? É o maestro? Nem acredito”. Ao longo do dia, isto se repetiria várias outras vezes em diferentes lugares da viagem, e Martins, um velho chorão assumido, ficava com os olhos marejados.
Sua história de vida, feita de superação e fé no taco, repetidas vezes contada em programas de televisão, no Faustão e no Jô, ainda o emociona e emociona os outros.
Ícone da música clássica no Brasil, pianista consagrado que já gravou toda a obra de Bach, aplaudido nos maiores auditórios do mundo, agora virou pop star reconhecido por onde passa.
Foi assim também depois que liguei o gravador e ele me contou, entre lágrimas e gargalhadas, como virou maestro e, mais tarde, se arriscou a tocar piano novamente, com alguns poucos dedos, dependendo do dia.
Falou sem parar como foi criar duas orquestras, a partir do zero, para ter a quem reger, sem nenhum recurso público, apenas com patrocinadores privados, até pararmos para o almoço em Queluz, na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro, onde também foi reconhecido ao ser servir no bandejão.
De volta ao ônibus, contou sua desastrada passagem pela política como arrecadador de fundos de campanha de Paulo Maluf aquele rumoroso caso que ficou conhecido como Pau Brasil, e quase destruiu sua carreira.
Foram sete horas de viagem até o ônibus encostar num hotel modesto junto ao Largo da Carioca, no centro do Rio. Cansados, os músicos não fizeram a algazarra habitual no ônibus. A maioria passou a viagem dormindo ou ouvindo música com fone de ouvido.
Todos subiram rapidamente para seus quartos, com pouco tempo para esticar as pernas. Às 18h15, já deveriam estar no saguão do hotel para pegar o ônibus de novo, em direção á Universidade Estadual do Rio de Janeiro, perto do Maracanã.
O único ensaio para este concerto começou uma hora antes do previsto para o início do programa: 20 horas. Como tinha feito nova aplicação de botox nas mãos, no começo da semana, Martins logo percebeu que seus dedos ainda estavam rígidos e alterou algumas peças do programa que não conseguia executar.
Na hora marcada, havia poucas cadeiras ocupadas no Teatro Odylo Costa, filho, com capacidade para 1.100 espectadores. Logo chegaram meus amigos Tereza e Márcio Amaral, que criaram dirigem o IBDD, para explicar o motivo do atraso ao maestro.
A entidade havia doado um elevador para cadeirantes à universidade, que só terminou de ser instalado no mesmo dia do concerto _ e não estava funcionando.
Por isso, o espetáculo começou com quase uma hora e meia de atraso, um recorde na história da orquestra de Martins, mas ele de nada reclamou. Era um espetáculo fechado, sem bilheteria, patrocinado pela Petróleo Ipiranga.
Sem poder fazer nada, aproveitou para tirar um cochilo, enquanto os músicos se espalhavam pela coxia, afinando seus instrumentos.
Com o mesmo entusiasmo demonstrado semana passada numa Sala São Paulo lotada, na abertura da temporada da Orquestra Filarmonica Bachiana, regeu na primeira parte seis peças que contam a história da dança na música.
Na segunda, arriscou tocar três músicas ao piano, encerrando com o Hino Nacional executado em diferentes ritmos brasileiros. Foi aplaudido de pé e, ao receber os agradecimentos dos organizadores, chorou de novo.
Antes das 11 da noite, o ônibus da orquestra encostou na porta do teatro e recolheu o maestro pianista e sua tropa para a viagem de volta a São Paulo, onde deveriam chegar entre 5 e 6 da manhã desta quinta-feira.
Poucas horas depois, às cinco da tarde, eles já subiriam ao palco de novo para um concerto no auditório do Tribunal Regional do Trabalho, na Barra Funda.
Hélio Campos Mello, meu amigo fotógrafo e também dono da revista, e eu, que não temos todo este pique, ficamos na cidade para voltar de avião no dia seguinte. Valeu a viagem.
Em tempo
Aos leitores que estranharam minha ausência aqui no Balaio, a explicação está dada aí acima: não sei fazer direito duas coisas ao mesmo tempo, ou seja, atualizar o blog e fazer reportagem.
Aproveito para agradecer aos leitores que continuaram mandando muitos comentários, em sua grande maioria da melhor qualidade, para o post que conta o drama do meu amigo Zé Telles, o brasileiro que ficou doente com a desonestidade.
Agora vou começar a escrever a reportagem completa sobre João Carlos Martins, que poderá ser acessada aqui no site da Brasileiros.
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