Fla-Flu dos leitores e jornalismo “isento”

É batata: basta publicar um texto com tema político que logo os leitores se dividem ao meio, num interminável Fla-Flu da disputa política, como se estivessem nas arquibancadas do Maracanã vestindo as camisas do PT ou do PSDB.

Este clima não agrada ao leitor Manoel Ferreira, que mandou hoje um comentário contra a crescente beligerância entre tucanos e petistas, a mais de um ano do início oficial da campanha de 2010.

Por isso, ele sugere que o Balaio trate de outros assuntos, como as enchentes no norte ou a seca no sul, as filas nos hospitais e outras mazelas da vida real dos brasileiros.

Até concordo com ele, e procuro evitar ao máximo falar de política, mas a verdade é que a maioria dos leitores, a julgar pelo número de comentários enviados, parece só se interessar por temas polêmicos que estão nas manchetes da chamada grande imprensa.

Mesmo quando trato aqui de assuntos mais amenos do cotidiano ou de futebol, não tem jeito: petistas aproveitam para falar mal dos tucanos e vice-versa.

A disputa eleitoral de 2010 parece que dividiu o Brasil ao meio entre os pró-Lula e os que têm ódio do atual presidente e do seu governo. Não tem meio termo. O que varia é o tom dos comentários.

Os leitores que se identificam com seus nomes, sem pseudônimos ou codinomes, geralmente usam argumentos e fatos para defender suas posições, enquanto os valentes anônimos partem logo para o xingamento, a desqualificação de quem pensa diferente.

Na semana passada caí na besteira de defender algum tipo de regulamentação para colocar um pouco de civilidade nesta terra de ninguém, mas já vi que fui voto vencido – a maioria não quer nem saber de nenhuma regra na internet.

É curioso isso porque, enquanto alguns leitores defendem a liberddade absoluta para defender suas opiniões, outros partem para o ataque com ofensas pesadas ao blogueiro porque cometi o crime imprescritível de ter trabalhado no governo com o presidente Lula.

Publico sem problemas estas críticas que me fazem, desde que não coloquem em dúvida minha honestidade pessoal e profissional, insinuando que o governo me paga para escrever o que escrevo – certamente, pessoas que julgam os outros de acordo com seus próprios metros morais.

Como trabalhei lá, posso garantir que o governo nem tem dinheiro para isso. O governo paga muito mal.

Tem gente que vem com a história de que não sou um jornalista “isento”, estas bobagens. Vamos falar a verdade aqui, sem frescuras.

Em 45 anos de carreira, só conheci dois tipos de jornalistas.

Os que abrem o jogo e deixam bem claras para os leitores suas preferências ideológicas, partidárias, futebolísticas, religiosas e seja o que mais for.

E os que se escondem atrás de um suposto “apartidarismo”, “neutralidade”, “isenção”, “objetividade científica”, como se fosse possível. Isso não existe.

Jornalista, como qualquer cidadão, tem lado. Uns escondem, outros não, mas todos têm suas preferências e seus antagonismos. O mesmo vale para as empresas e para os donos de colunas da velha mídia.

Eu nunca procurei enganar ninguém. Vejo e escrevo as coisas do meu jeito, da mesma forma como colegas meus, que pensam exatamente o contrário, analisam o mesmo assunto com o sinal invertido.

Se não há picaretagem no meio, o que é outra coisa, é do jogo. O leitor, que não é burro, sabe com quem está falando, ou melhor, de que lado está aquele que escreve.

O que o jornalista não pode fazer é mentir, ser desonesto com os fatos, querer manipular a notícia. O resto é opinião – e cada um tem a sua.

Com a fartura de sites e blogs que temos hoje na internet, com a diversidade de opiniões expostas no mercado, cada um pode procurar o seu quadrado, escolher entre seus favoritos aqueles com quem mais se identifica.

Não pretendo convencer ninguém de que sou o dono da verdade, não quero levar leitores a pensarem da mesma forma que penso, não uso meu espaço para agredir nem agradar ninguém.

Quero apenas ter o direito de dar a minha visão sobre os fatos, contar as minhas histórias. Jornalismo “isento” pode ser muito bonito como tese acadêmica ou peça de marketing empresarial, mas não faz parte da natureza humana da qual fazem parte os profissionais de imprensa.

Assim como acontece com os leitores, também no campo dos jornalistas assistimos hoje a um Fla-Flu, com a diferença de que uns vestem a camisa e outros a escondem no armário.


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