Em 2001, na gestão de José Serra como ministro, um programa de saúde mental foi premiado na Conferência Nacional de Saúde. Além de ter recebido mais de 90% de aprovação popular, ele também foi – e é – modelo para inúmeras cidades que estão avançando na Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Projeto Qualis/PSF era o nome do programa. PSF é a abreviatura para Programa de Saúde da Família e o verbo ser foi usado no passado porque o programa já não existe mais. Em São Paulo o governo Kassab demitiu a equipe criada em 1998 por iniciativa do professor Adib Jatene e condução do sanitarista David Capistrano da Costa Filho. Um brutal e lamentável equívoco.
O Projeto Qualis foi um dos primeiros Programas de Saúde da Família implantados em uma cidade de grande complexidade como São Paulo. Foram dois núcleos experimentais: um em Sapopemba, região sudeste da cidade, e outro na Vila Nova Cachoeirinha, região norte.
O programa funcionava com as equipes de médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde integradas aos ambulatórios de especialidades, a uma casa de parto, a um programa de saúde bucal e a um programa de saúde mental. Eram profissionais que atendiam casos complicados: psicóticos, drogados, pessoas em situação de risco de morte. Onde eles atuavam, diminuíam a violência, as internações psiquiátricas e o uso suicida de drogas.
É evidente que para formar uma equipe assim foi preciso fazer uma seleção apurada, muita formação e dedicação. Portanto, acabar com tudo isso é, no mínimo, muito triste. A desarticulação do programa foi tentada antes das eleições para a prefeitura. Mas graças à resistência dos envolvidos, do Conselho Municipal de Saúde e a interferência do governador José Serra, o ataque foi em vão. Pelo menos naquele momento. Agora, aproveitando as diretrizes do Ministério da Saúde, pessoas estão sendo contratadas pela metade do salário para trabalhar nos denominados Nasfs (Núcleos de Apoio à Saúde da Família).
São equipes multiprofissionais que precisam atuar integradamente às equipes de Saúde da Família, que, aparentemente, não são prioridade dessa gestão. Como será a atuação desses Nasfs sem a experiência de atender pacientes de alta complexidade, sem a devida integração com o Centro de Apoio Psicossocial (Caps) e muito menos com as equipes de Saúde da Família?
Lembramos que a cidade de São Paulo não tem sequer um Caps 24 horas, um sistema integrado de Emergência Psiquiátrica e está sob pressão do Ministério Público por não cumprir as diretrizes da Reforma Psiquiátrica e se furtar a dar atendimento às inúmeras pessoas em sofrimento mental, dependentes de drogas, abandonadas à violência urbana, em hospícios de outros municípios ou simplesmente desatendidas.
Esses profissionais poderiam constituir um dos núcleos de expansão para construir um sistema de saúde mental de qualidade. A desarticulação desse trabalho confirma que foi aprovado nas urnas um serviço de saúde pobre para pobres: a Associação Municipal de Assistência Social (Amas).
Tempos sombrios se avizinham, ou, melhor, os tempos estão mais sombrios na cidade de São Paulo, mas enquanto termino este artigo confirma-se o triunfo de Barack Obama e a vida volta a ficar alegre como alegres foram as paixões que nos levaram a criar essa experiência de saúde mental.
Não sabemos qual será o alcance dos ventos progressistas que parecem soprar nos EUA, mas a demissão da equipe de saúde mental do ex-Projeto Qualis/PSF é uma manifestação do terrível risco que está sofrendo o Sistema Único de Saúde (SUS). Pois a privatização desenfreada em plena vigência no município mostra sintomas de decomposição e desqualificação do principal sistema público de saúde da América Latina.
Hoje são muitas as cidades governadas pelo partido Democratas (DEM) que pretendem levar para suas cidades o modelo das Amas e da parceria irresponsável com as organizações sociais. A situação é grave.
*Antonio Lancetti é psicanalista, foi coordenador de Saúde Mental do Projeto Qualis/PSF, autor de Clínica Peripatética (Editora Hucitec), entre outros, e colaborador da Brasileiros
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