Caro presidente José Sarney,
pensei em várias formas de comentar a crise do Senado e o seu discurso-desabafo de terça-feira. Perdoe-me a petulância, mas não encontrei outro jeito melhor de dizer o que penso e sinto sobre tudo isso do que escrevendo-lhe esta carta aberta.
Sei que ainda sou muito jovem para dar conselhos a um ex-presidente da República próximo de completar 80 anos, o que não me impede de usar este espaço público para apresentar-lhe uma sugestão diante do impasse vivido pelo Senado.
Escrevo-lhe porque lhe quero bem, testemunha que sou da maneira lhana como sempre tratou os jornalistas. Posso imaginar o drama pessoal que está vivendo, no olho do furacão político, bem no momento em que a sua filha enfrenta os desafios de mais uma delicada cirurgia.
Chegamos, porém, a um ponto da degradação das práticas parlamentares em que já não bastam discursos, remendos, providências de emergência, costurar acordos de cúpula, demitir meia dúzia de funcionários ou chamar a Fundação Getúlio Vargas para corrigir as distorções mais evidentes.
Concordo que a crise não é somente sua, presidente Sarney, mas do Senado, como o senhor disse na parte central do seu discurso, embora este já seja seu terceiro mandato à frente da Casa, sempre com plenos poderes.
Exatamente por isso, ao contrário do que pensam alguns colegas meus, não acho que a sua simples renúncia neste momento seja capaz de dar um fim à crise e restabelecer a credibilidade do Senado junto à opinião pública.
Fomos tão longe nesta triste sequência de denúncias sobre desmandos e privilégios inadmissíveis, que agora já não se trata de encontrar um ou meia dúzia de culpados. O problema é o conjunto da obra e o tamanho do estrago na imagem da instituição.
Diante disso, presidente Sarney, proponho a renúncia coletiva da mesa do Senado e a convocação de novas eleições no menor prazo possível.
Esta nova eleição deveria ser baseada numa carta de princípios em que todos os candidatos a membros da Mesa, começando pela presidência, se comprometam a restaurar princípios básicos de moralidade no uso dos recursos públicos.
Depois de 60 anos de vida pública em que o senhor ocupou todos os cargos possíveis na República, creio que este gesto não seria entendido como fuga à responsabilidade nem como fraqueza diante da gravidade da crise.
Ao contrário, será talvez o gesto de grandeza mais nobre da sua carreira que se confunde com a redemocratização do país.
De nada adianta agora discutir ou rebater cada uma das denúncias feitas a senadores e funcionários da Casa, como deixou bem claro seu melancólico discurso da tribuna em que chegou a afirmar: “É injustiça do país julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública”.
Injustos podem ser os homens, não o país, que tem todo o direito de julgar qualquer um de nós, independentemente da antiguidade ou do posto que ocupamos no momento.
Ao lhe prestar solidariedade esta manhã, ainda em meio à sua viagem ao exterior, o presidente Lula também foi infeliz ao dizer que o senhor “tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum”.
De acordo com o que diz o nunca demais lembrado Artigo 5º da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ()”. Somos todos, portanto, pessoas comuns.
Por isso, a melhor resposta que o senhor poderia dar neste momento a todos os que o acusam é justamente abrir mão do poder, junto com seus pares do comando do Senado, abrindo caminho para que a instituição possa encontrar um novo começo.
Em respeito à sua própria biografia, caro presidente Sarney, penso que quanto mais durar esta agonia do Senado, que o atinge tanto no campo pessoal como no político, pior será para o senhor e para a instituição que representa.
Com estima e respeito,
Ricardo Kotscho
Antonio Candido e a USP
Ainda sobre a crise sem fim da USP, tema do texto que escrevi ontem sobre as comparações indevidas que estão sendo feitas entre episódios de ocupação policial em 1968 e 2009, reproduzo aqui as sábias palavras do professor Antonio Candido ditas na terça-feira em ato de repúdio à repressão na universidade:
“Estou aqui por uma simples razão: para fazer um protesto veemente contra a intervenção da força policial no campus universitário. Isso é um atentado aos direitos mais sagrados que as pessoas têm de discutir, debater e agir, sem nenhuma pressão do poder público”.
O professor tem toda razão. Aos leitores que me criticaram pelo que escrevi, justificando a ação policial da semana passada na USP, quero dizer que faço minhas as palavras dele. Não sou o dono da verdade. Os argumentos dele e de muitos de vocês me convenceram de que não é desta forma que se irá encontrar uma saída para a crise da nossa maior universidade.
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