Deborah, uma defensora dos indígenas, é Procuradora-Geral por 10 dias

Ela foge ao que se julga ser o perfil de um procurador da República ou de um jurista. Para começar, todos os dias, bem cedo, ela corre de seis a nove quilômetros. Depois vai, às nove da manhã, para a Hípica de Brasília, onde monta seus dois cavalos durante pelo menos uma hora. Terminados os exercícios físicos, ela segue para a Procuradoria-Geral da República para um dia de trabalho que vai até sete, oito da noite. No campo jurídico, mais diferenças em relação a boa parte do Judiciário e do Ministério Público. Em vez de se concentrar nos processos da área penal ou nos casos envolvendo direito tributário, a sub-procuradora Deborah Duprat, mãe de Pedro, 21 anos, estudante de jornalismo, e de Luisa, 19 anos, estudante de artes cênicas, prefere defender os direitos dos indígenas, dos quilombolas, das minorias e dos desassistidos.
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“Quando fui estudar direito, nunca pensei em me dedicar ou especializar nas áreas tradicionais. Na verdade, nunca pretendi fazer algo que me deixasse rica”, dispara. A opção pela maioria da população brasileira e, especialmente, pelos menos assistidos, começou antes até de ser aprovada, em 1987, no concurso para procurador da República. “Meu primeiro trabalho em 1985, quando voltei do Rio, terminado meu primeiro casamento, foi com o ministro Armando Rollemberg, com quem aprendi muito em termos de preocupação com as classes menos favorecidas.”, conta.

O passo seguinte foi trabalhar na PGR na equipe do então Procurador-Geral, Sepúlveda Pertence, que conseguiu a criação do Parque Nacional da Ilha do Bananal. No ano seguinte, já estava envolvida de vez com a questão indígena, integrando uma comissão especial na PGR, coordenada por Claudio Fonteles, que veio a ser o primeiro Procurador-Geral nomeado por Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. “A primeira ação proposta pela comissão, após a promulgação da Constituição em 1988, foi para o reconhecimento do território indígena ianomâmi. E ganhamos”, lembra. E até hoje Deborah está atuando na defesa dos direitos de indígenas, quilombolas, populações tradicionais e os ribeirinhos, entre outros.

Membro desde o começo da década de 90, e hoje coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, que trata exatamente da defesa desses grupos, Deborah Duprat acredita que é necessária uma profunda reformulação dos cursos de direito, exatamente para que a defesa dessas minorias étnicas e sociais passe a ser prioridade. “O direito é uma ciência social. É um absurdo que, no currículo das faculdades, sejam dados oito semestres de direito civil e apenas um de direito constitucional, por exemplo. Os cursos precisam ter uma orientação holística, serem interdisciplinares. Alias, não apenas no direito”, ataca.

Deborah considera que a maioria dos estudantes pensa em se especializar em ramos do direito que os deixem ricos, “como o novo queridinho, o direito tributário”. Ela acha que é uma distorção que precisa ser corrigida pois processos nessas área são menos de 2% das causas em tramitação. “Em um país como o nosso, a quem interessa direito de herança, a não ser a uma parcela ínfima da sociedade”, critica. No Ministério Público Federal, essa distorção começa a ser atacada do começo, nos concursos para procuradores da República, considerados dos mais concorridos e difíceis.

“Começou com o Claudio Fonteles e continuou com o Antonio Fernando (procurador-geral que deixou o cargo na sexta-feira, 26). Aumentamos o número de questões das provas sobre direitos humanos, indígenas, quilombolas, meio ambiente, enfim, direitos sociais como um todo. Mesmo quem nunca viu isso nas faculdades, vai ter que estudar a fundo senão não é aprovado. As novas turmas de procuradores já trazem muita gente com esse tipo de preocupação. Acho que a diferença na atuação do Ministério Público Federal será sentida, para melhor, em pouco tempo”, afirma.

Ela ficará no cargo até a posse do novo procurador-geral, Roberto Gurgel, escolhido por Lula na segunda-feira, 29. Como Gurgel, que é hoje o vice-procurador-geral, terá que ser sabatinado no Congresso, sua posse só deverá ocorrer lá pelo dia 8 de julho. E deverão ser 10 dias bem movimentados. Deborah pretende marcar sua interinidade dando entrada a várias ações polêmicas, na defesa dos interesses de muitas minorias étnicas e sociais, ameaçadas, como sempre, no Brasil.


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