Navegávamos pelo São Francisco quando a nova moeda foi lançada na praça. Fui apresentado a ela ao comprar cigarros em Bom Jesus da Lapa ().
Os fregueses do bar estavam entusiasmados:”Quando eu poderia pensar que iria tomar uma pinga por vinte centavos sabendo que amanhã o preço não vai aumentar?”, ouvi de um deles.
Ao voltarmos para o barco, mostrei a cédula a Lula. “Isto aqui pode mudar a história da eleição”, alertei, mas ele não deu muita importância à opinião do assessor.
A história contando como a campanha do então candidato Lula, em 1994, foi atropelada pelo lançamento do Real, quando a Caravana da Cidadania cruzava o rio São Francisco, está contada no meu livro “Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter” (páginas 201 e 202).
Nada como ter o próprio livro de memórias à mão para lembrar detalhes de fatos passados 15 anos atrás. Faz bastante tempo, mas é possível que ainda tenha gente tomando pinga por vinte centavos em Bom Jesus da Lapa – maior prova de que o Plano Real veio para ficar e deu certo.
Nos parágrafos seguintes, mais uma vez recorro ao livro para contar como o lançamento do Real virou de cabeça para baixo, em poucos dias, a campanha presidencial de 1994, quando eu trabalhava como assessor de imprensa do candidato do PT.
O cenário da campanha, a qual até esse ponto da história se assemelhara a um passeio, sofreria uma transformação radical antes de partirmos, no dia 4 de julho, para a sétima e última caravana.
Feliz com o resultado das caravanas anteriores, o candidato teve a idéia de fazer uma viagem de barco da nascente até a foz do rio São Francisco, parando nas cidades ribeirinhas.
O ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, que havia sido transferido para a Fazenda – muito a contragosto, segundo ele próprio – acabara de implantar a URV (Unidade Real de Valor).
Era o primeiro passo para o lançamento de uma nova moeda, o real, que tinha por objetivo principal controlar a inflação, sem tabelamento de preços, e estabilizar a economia.
Recebido com descrédito pelos economistas do PT, o Plano Real revelou-se um sucesso fulminante, a ponto de, em poucas semanas, levar Fernando Henrique a subir nas pesquisas, ao mesmo tempo que Lula descia.
Alguns meses antes, com dúvidas sobre suas chances de se eleger para um novo mandato no Senado, o tucano pensara em se candidatar a deputado federal.
A disputa pela Presidência se limitava aos dois, que tinham uma boa relação pessoal desde os tempos das lutas no ABC. Para Lula, parecia incômodo enfrentar um oponente para quem até havia feito campanha – nas eleições para o Senado, em 1978.
Quando retornamos da viagem de apenas nove dias pelo São Francisco, o quadro eleitoral já havia virado.
Num encontro de economistas com o candidato, promovido no hotel Danúbio, em São Paulo, todos criticaram o Plano Real, taxado de “recessivo e eleitoreiro” pela professora Maria da Conceição Tavares.
Acho que só eu discordei dessa análise, e comentei com Lula ao final da reunião: “Olha, eu não entendo nada de economia, mas o plano não pode ser eleitoreiro e recessivo ao mesmo tempo. Ou é uma coisa ou é outra, que ninguém vai ser louco de implantar um plano econômico para provocar a recessão na economia se pretende ganhar a eleição”.
Para Aloizio Mercadante, o Plano Real não duraria nem três meses. “Tudo bem, mas, se durar três meses, nós perdemos as eleições em outubro”, ainda tentei argumentar. Nossos discursos, porém, continuaram na mesma linha de ataques ao plano que o povo estava adorando.
Oito anos depois, Lula seria eleito presidente da República, disputando a eleição contra José Serra, ex-ministro de FHC, que também era crítico da política econômica do governo.
A estabilidade da moeda sobrevive até hoje. Ainda dá para comprar um quilo de frango por dois reais e planejar as nossas contas sem levar um susto atrás do outro como era antigamente. De lá para cá, o País só fez melhorar.
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