O amigo do rei

“Não há palavra feia, nem bonita. As palavras dependem do jogo que há entre elas”, disse o crítico Davi Arrigucci Jr., na conferência de abertura da 7ª Festa Literária de Paraty. Inaugurando o evento, Davi apresentou uma leitura acerca da obra poética de uma das figuras mais importantes para a arte no País no século XX, o poeta – e homenageado da Flip este ano – Manuel Bandeira. [nggallery id=14634] Antes de iniciar o que chamou de “humilde leitura” da obra poética de Manuel, Davi referiu-se à importância que a leitura deve adquirir no contexto literário do País, afirmando que devemos nos vangloriar mais dos livros que lemos do que daqueles que escrevemos, lembrando do grande leitor – e um dos gênios da literatura internacional – que foi o argentino Jorge Luis Borges. Há em tal afirmação referência imediata ao homenageado Bandeira, poeta que iniciou a atividade já com idade avançada, fruto de anos de constrangimento de uma vida marcada por doenças e debilidade física constantes.LEIA TAMBÉM:
Era uma vez…
Manhã de Flip bem-humorada
Vida de escritor
Sermões de Richard Dawkins
O velho e a literatura
Flores de plástico e amores expressos
Um divã para a China
A comédia da vida privada
A voz e o dono da voz
Cinema comercial
Escutando Alex Ross
Dicotomias
Relatos ficcionais
Weekend à francesa
O (re)contador de histórias
Que homem é aquele que faz sombra no mar?
O último poemaNesse ponto, o autor de Itinerário de Pasárgada, excelência para a compreensão da poética brasileira, iniciou um percurso de estudo sistemático de obras literárias, assim como o contato com a historiografia e outros campos humanísticos, que ampliou o poder de concepção de sua poética, revelando a singularidade que emergia do cotidiano para tocar o insondável da aventura humana.Acometido por uma tuberculose que inviabilizou os estudos de arquitetura, confinando-o a uma vida reclusa com gosto “cabotino de tristeza”, o período entre os anos 1920 e 1933 foram de suma importância para a superação de uma pena de si mesmo, revertida na compreensão, expressa nos poemas que compõem Libertinagem e A estrela da manhã, das relações existentes entre as próprias internalizações da vida no apartamento e o mundo que se desdobrava afora, reconhecendo que a poesia, enfim, estava em tudo: “tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”.A partir do período vivido num sobrado em Santa Tereza, no Rio de Janeiro, Davi aponta o reconhecimento do poeta Manuel de uma espécie da dialética entre o alto e baixo, o dentro e fora, que brota, com sensibilidade singular, numa poesia que às vezes denota com estranheza a própria essência. Em Um poema só para Jaime Ovalle, por exemplo, fica difícil reconhecer de onde surge com tamanha força aquela sensação que nos remete a uma emoção profunda, tal qual as recordações singelas da infância, que irrompem sem que sejamos capazes de compreendê-las. Essa é a capacidade de Bandeira em “dizer o complexo através do simples”, como afirmou Davi, um simples que nos faz, por vezes, ignorar a grandiosidade do que é dito.Encerrando sua conferência, que mais teve cara de aula, daquelas que obrigam os alunos a anotar pontualmente cada uma das palavras, com temor de que se perca alguma informação vital, o crítico disse ser a grandeza humilde de Manuel Bandeira a capacidade única de observar os contrastes entre sua própria experiência e o mundo, transformando-o em algo universal. Se “O poema é feito de palavras necessárias e insubstituíveis”, como afirmou Octávio Paz, Bandeira soube reconhecer, como ninguém, a necessidade de dizê-las e Davi Arrigucci Jr., compreendê-lo. A tenda do telão deste ano está mais apertada: em vez de 1.200 cadeiras que tomavam conta do espaço no ano passado, nesta edição a tenda abriga 1.400 lugares – o que não evitou que algumas mesas mais disputadas tivessem os ingressos esgotados. A mesa de Chico Buarque e Milton Hatoum foi a primeira a ter os ingressos esgotados: em cinco horas não havia mais entradas para a Tenda dos Autores, e em 24 horas acabaram-se os da Tenda do Telão, um recorde de todas as edições da Flip. Uma dica para quem não conseguiu ingresso é marcar presença na bilheteria uma hora antes do evento pretendido e esperar por milagrosas desistências. As crianças de Paraty tomaram a Praça da Matriz desde cedo com o início da Flipinha, que já trouxe peças de teatro, musicais e performances com os pequenos nos papeis principais, além das brincadeiras que não param de acontecer entre os “pés-de-livros” e os grandes bonecos da Praça. A FlipZona também já abriu sua programação na quarta-feira (1º) pela manhã. O grande destaque é o local onde vai se realizar o evento: um antigo cinema da cidade que, após anos abandonado e fechado, foi restaurado e volta à ativa. Se você ainda não fez as malas para a Flip, não se esqueça de colocar agasalho e guarda-chuva: o tempo promete esfriar enquanto a Festa esquenta aqui em Paraty! Acompanhando o clima da Flip, entrou no ar O Livreiro (www.conhecaolivreiro.com.br), rede social voltada para o universo dos livros. O site, ainda em fase experimental, já conta com “amigos” como Milton Hatoum e Cristovão Tezza, além de parceiros como a Livraria Cultura e o Instituto Moreira Salles – do qual pode-se ter acesso a seu acervo digitalizado por meio da rede.


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