Faz 118 anos que o médico alemão Wilhelm Röntgen descobriu os raios-X. Sua revolucionária invenção vem sendo celebrada fanaticamente em todo o mundo, embora poucos saibam quem foi o autor da primeira prodigiosa radiação. Pouco importa: por bares, escolas, escritórios e até casamentos, roupas e assessórios trazem a marca da caveira. São tantas reproduções de esqueletos, caixas torácicas, tíbias, artelhos e crânios humanos, que nas ruas dão a impressão de terem se transformado em laboratórios de radiologia. A ossada, como forma de expressão de rebeldia, pode-se dizer que virou “carne de vaca”.

Antigamente, quem usava caveiras era pirata, motoqueiro de gangue ou garrafa de veneno. Hoje, senhoras idosas, de cabeleiras azuis, estampam crânios cheios de dentes, bordados com lantejoulas nas blusas. Gosto de imaginar que a imagem é o que restou, depois de tantos anos, daquele círculo amarelo, com dois pontos, como olhos e um sorriso idiota, o também chamado “smile”. Aquela carinha amarelada, apesar da expressão de contentamento injustificado, apontava, na verdade, os sintomas de doença ruim. Morte e putrefação foram consequências naturais: sobrou apenas a ossaria.

Bebês vestidos como fiéis satanistas estão em toda parte. Imagina-se que, depois dos parquinhos, irão direto a um terreiro de vudu. As mamães não ficam atrás: nem o José Mujica – o Zé do Caixão – tem coleção de caveiras mais numerosa. E que ninguém entre num bar da moda, no Lower East Side de Manhattan, sem profusão de faces descarnadas no traje. Será carneado pela malta de dissecadores amadores. Qualquer clube noturno parece o Museu do Genocídio do Camboja, onde estão empilhados mais de um milhão de crânios de vítimas do regime brutal do Khmer Vermelho. Em Phnom Penh, capital daquele país, não vi uma única pessoa exibindo camiseta com ossadas. O pessoal de lá não acha isso cool.

No Brasil, claro, a moda também pegou. A ponto de colocarem crânios humanos até em uniforme de médico. Da última vez que estive aí, vi um cirurgião do HC, em São Paulo, com uma touca que parecia um gorro de bucaneiro: cheio de caveirinhas. Esquecem-se de que, nos anos 1970, o símbolo integrava o brasão do grupo “Scuderia Le Coq”, que não tinha nada a ver com a famosa marca de material esportivo, cujo logotipo é um galo. Era mesmo o Esquadrão da Morte: um bando de assassinos.

Os nazistas também adoravam a mesma figura. Tinham os ossos da cabeça humana, escorados por duas tíbias, em bonés, capacetes ou ombreiras e facas de seus uniformes. Não há evidências de que o amuleto lhes trouxe muita sorte.

O símbolo trazia triste destino também para os malfeitores que cruzavam o caminho de meu herói de infância: o Fantasma. Um sujeito cometia a bobagem de querer brigar com o herói, e tomava logo uma muqueta no queixo. O anel do Fantasma deixava marca perpétua de uma caveira no focinho do atrevido. Era uma tatuagem instantânea. Isso identificaria os bandidos para o resto da vida. Hoje em dia, claro, os marcados passariam despercebidos, na multidão de gente tatuada com crânios humanos. No mundo de agora, todo dia é dia dos mortos, aquele festival mexicano. E não há jeito de mandar essa gente baixar em outro terreiro.


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