Borracha na Bahia muda vida de mais de mil famílias

Caros leitores,

mal cheguei a São Paulo na noite desta sexta-feira, vindo de Salvador, estava na fila do táxi, obviamente na rua, fora do saguão do aeroporto de Congonhas, quando um segurança todo vestido de preto e muito educado veio em minha direção:

“O senhor tem que apagar o cigarro. Aqui não se pode fumar”, decretou a autoridade. Respeitador das leis, procurei um cinzeiro para apagar o dito cujo, mas não havia lá mais nenhum. “Pode jogar aí na calçada mesmo”. Que maravilha!

Depois de três dias trabalhando no meio do mato no interior da Bahia, estava de volta à civilização.

Agora de manhã, no sábado, leio no jornal: “Seguranças são suspeitos de matar suposto ladrão de pães”.

Só espero que não comecem a usar os mesmos métodos contra os fumantes.

Bom fim de semana.

IGRAPIÚNA (BA) – Bom dia, pessoal. Céu azul com poucas nuvens, 28 graus, só ouço o barulho de passarinhos e aqui ainda não é proibido acender um cigarro.

Antes de pegar a estrada para Salvador, umas quatro horas de viagem, arrumei um tempinho para atualizar o Balaio ainda aqui em Igrapiúna, cidadezinha de 15 mil habitantes no chamado Baixo Sul da Bahia, onde estou desde quarta-feira, fazendo uma reportagem sobre a produção de borracha, que já beneficia mais de mil famílias de pequenos proprietários.

Taí uma cidade e uma história, com personagens fantásticos, que eu ainda não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Esta é a vantagem de viver no Brasil e poder ser repórter neste grande país: onde você vai, sempre encontra novidades boas para contar, e não apenas desgraças.

Não fosse o convite feito pela Michelin, a multinacional francesa fabricante de pneus há mais de um século, a um grupo de 10 jornalistas do Rio e de São Paulo para conhecer o Projeto Ouro Verde, implantado em 2004, talvez eu também nunca fosse conhecer este novo ciclo da borracha em terras baianas baseado no desenvolvimento sustentável.

O que vem a ser isso? “É um sistema em que todo mundo ganha, não tem um perdedor”, define o agrônomo Paulo Roberto Lima Bonfim, 42 anos, gerente de recursos humanos e comunicação, e agora também um dos 12 médios proprietários, todos funcionários da empresa, que compraram da Michelin e repartiram entre eles 5 mil dos 9 mil hectares da Fazenda Ouro Verde.

Há 20 anos, os franceses compraram da Firestone este imenso seringal plantado no meio da Mata Atântica em meados da década de 50, mas, em 2004, com o baixo preço da borracha e sem conseguir combater os fungos que atacavam as árvores, pensaram em fechar as portas e vender as terras.

Foi quando resolveram mudar tudo e adotar um revolucionário esquema de gestão resumido num projeto econômico e social com impactos científicos e ambientais, transformando parte dos seus executivos e centenas de pequenos proprietários de 59 municípios da região em fornecedores de matéria prima para sua usina de beneficiamento de borracha. Deu certo.

Quando foi apresentar o Projeto Ouro Verde ao governo federal, Eduard Michelin, então presidente mundial da empresa, já falecido, ele ouviu do presidente Lula uma pergunta: “Por que vocês não ampliam o projeto para a comunidade fora da empresa, incorporando a agricultura familiar?”. Michelin topou.

A empresa investiu pesado em pesquisas para o controle genético dos fungos, com o desenvolvimento de variedades mais resistentes de seringueiras, e criou uma reserva ecológica de 3 mil hectares de Mata Atlântica.

Aos poucos, a paisagem e a vida das pessoas nesta região muito pobre da Bahia, dominada por minifúndios pouco produtivos, foi mudando. Em lugar de se dedicar apenas à cultura de subsistência, antigos lavradores receberam financiamentos do Banco do Nordeste para plantar seringueiras e cacau.

A reportagem completa sobre o Projeto Ouro Verde será publicada na edição de setembro da revista Brasileiros. Levo na lembrança desta agradável descoberta a imagem da quantidade de crianças e jovens com uniforme escolar que encontrei por toda parte ao longo dos 180 quilômetros nas várias cidades que cruzamos para chegar de Ilhéus até Igrapiúna.

Apesar da pobreza endêmica, os únicos sinais exteriores de miséria encontrei nos pequenos acampamentos dos sem-terra acampados em várias partes do caminho, ainda à espera da reforma agrária ou, quem sabe, de novos projetos privados de inclusão social como este desenvolvido com sucesso pela Michelin.

De qualquer forma, faz bem para a alma passar uns dias no Brasil real, longe das baixarias do Senado, da gripe suína e da lei antifumo. Até a volta.


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