A vida começa aos 60

A tarde de terça-feira, 18 de novembro, estava particularmente movimentada no Hotel Beach Class, localizado em frente à praia de Boa Viagem, no Recife (PE). Num vaivém organizado, várias mulheres aguardavam ansiosas a hora de entrar no improvisado salão de beleza instalado em uma das salas do hotel. Depois de se entregarem aos mimos de um cabeleireiro e um maquiador, elas, assim como alguns homens, participariam de uma sessão fotográfica profissional. Com suas melhores roupas, esses jovens senhores, todos com idades acima de 60 anos, estavam se preparando para encarar o papel de protagonistas em uma noite de gala. Logo mais à noite, eles subiriam ao palco do Chevrolet Hall para receber os prêmios de finalistas do 10º Talentos da Maturidade, projeto social organizado pelo Banco Real, que tem como objetivo incentivar, potencializar e divulgar a riqueza artística de pessoas da chamada terceira idade de todos os cantos do País.

O concurso é dividido em quatro categorias: Artes Plásticas, Literatura, Contador de Histórias e Música Vocal. Nesta edição, foram 12 mil inscritos e 20 trabalhos vencedores de nove estados – cinco de cada categoria. Além disso, outras duas categorias – Monografia e Programas Exemplares – foram criadas para premiar trabalhos direcionados para a terceira idade. A Monografia teve como tema “Desafio dos Profissionais de Comunicação no Relacionamento com os Idosos”. Já Programas Exemplares contemplou projetos voltados à integração do idoso na sociedade, elaborados por organizações públicas, privadas ou sem fins lucrativos. Cada um dos cinco projetos vencedores dessa categoria ganhou R$ 100 mil e terá consultoria por um ano.

Ações assim são muito bem-vindas em uma sociedade que está vendo, a cada ano, a sua população ficar mais velha. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida dos brasileiros aumentou 3,4 anos na última década e hoje é de 72,7 anos. “O idoso sempre foi excluído da sociedade. Essa é uma iniciativa pioneira de valorizar pessoas dessa idade. Desde 2003, com a aprovação do Estatuto do Idoso, percebemos mudanças. Hoje eles são mais valorizados, sentem-se mais respeitados”, afirma Laura Machado, psicóloga com mestrado em gerontologia e consultora do banco. Desde a primeira edição do Talentos da Maturidade foram registrados mais de cem mil inscritos.

A cerimônia de entrega do prêmio – um troféu e R$ 7 mil para cada ganhador – foi realizada numa grande festa para mais de mil pessoas. Os vencedores e seus acompanhantes estavam em estado de graça, desfilavam por entre as mesas cheios de orgulho. “Eu ainda não acordei. Parece um sonho”, dizia emocionada Maria do Carmo Pereira da Silva, 62 anos, que, junto com sua irmã Teca, foi uma das cinco finalistas em Música Vocal.

“O incentivo à produção cultural é também um convite ao idoso a repensar e reinventar sua postura nessa fase da vida”, disse, na abertura da cerimônia, Fernando Byington Egydio Martins, diretor executivo de Estratégia da Marca e Comunicação Corporativa do Grupo Santander Brasil, que investe cerca de R$ 7 milhões por ano no projeto.

Depois da premiação, os convidados foram presenteados com um show do Quinteto Violado, que tocou músicas regionais e sucessos de Luiz Gonzaga. A platéia não se fez de rogada e provou que domina também a categoria dança. Um dos mais animados era o mineiro Nelson Carvalho da Silva, 77 anos. Ganhador na categoria Contador de Histórias, o lavrador rodopiava pela pista de dança com sua filha Raquel, que o acompanhou na viagem. “Eu gosto muito de música, sou violeiro também”, dizia.

PAÍS DE ARTISTAS
Foram cerca de 12 mil participantes na décima edição do concurso. Entre as principais categorias, Artes Plásticas foi a que obteve maior número de inscritos:
Artes plásticas:2.964 inscritos
Contadores de História:628
Literatura:5.528
Música:1.943

Há 25 anos trabalhando na área de envelhecimento, Laura garante que o perfil do idoso está se modificando e que talvez isso implique numa mudança futura na organização do Talentos da Maturidade. “O idoso que está chegando tem outra postura social, foi menos reprimido, é mais participativo”, afirma. Na contramão, o que falta hoje, segundo ela, são programas voltados para a quarta idade. “Os idosos saudáveis estão bem amparados, o maior problema são aqueles frágeis, com mais de 80 anos ou os que têm problemas de saúde e dependem de alguém para tudo”, diz. Enquanto projetos voltados para esse grupo engatinham, aqueles que estiveram presentes em Recife provam que idade não é empecilho para continuar a ser produtivo, participativo e, acima de tudo, feliz.

TRABALHO EM EQUIPE
Um dos projetos contemplados na categoria Programas Exemplares é o Estimulação Cognitiva e Funcional para Idososdo Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Voltado para pacientes portadores de Mal de Alzheimer, com demência ou déficits cognitivos, a iniciativa oferece ao idoso, familiares e cuidadores um atendimento multiprofissional como complemento ao tratamento farmacológico. Durante as 15 semanas do programa, o idoso pode participar de atividades terapêuticas como arteterapia, xadrez, fisioterapia, estimulação cognitiva por meio de exercícios, educação física, psicoterapia e fonoaudiologia. Os familiares também recebem acompanhamento psicológico. O objetivo é promover a melhora na qualidade de vida dos pacientes e de seus acompanhantes. E o que é melhor é que o paciente é mantido em seu ambiente familiar. “É uma maneira de evitar ou retardar a internação do idoso em hospitais ou asilos”, diz Paula Vilella, coordenadora do projeto.
OS PREMIADOS
Terezinha da Silva Carneiro (Teca) e Maria do Carmo Pereira da Silva, Música Vocal, com a música “Ciranda da Teca “
“Sempre gostei de música. Quando criança, costumava dançar nas noites de São João na casa dos amigos dos meus pais. Era a dança do coco, com fogueira e comidas típicas”, lembra dona Teca, autora da ciranda vencedora no concurso Talentos da Maturidade. Seu pai, Benedito, fundou o grupo Coco de Roda do Mestre Benedito, nos anos 1960 em Cabedelo (PB) e, com sua morte, ela assumiu seu posto. Atualmente, o grupo é formado por 33 integrantes, sendo 17 da própria família de Mestre Benedito. Batizada de Teca do Coco, Terezinha é casada, tem cinco filhos, 11 netos e quatro bisnetos, e procura sempre incluir os jovens no grupo. “É para manter a tradição”, afirma. Aos 67 anos, ela também faz parte do Coral de Cantores de Deus, é coordenadora da Pastoral da Criança de Cabedelo, dança e faz hidroginástica, aula que adora e onde está sua maior incentivadora: sua professora Andréia. Graças a ela, Terezinha inscreveu-se. “Foi a primeira vez que participei e quase desmoronei ao saber que havia ganho. É uma coisa nossa feita por nós. Estou muito feliz.”

A vida da paraibana Maria do Carmo, 62 anos, nunca foi muito fácil. Casou-se muito cedo com um homem alcoólatra. Teve um filho com paralisia cerebral, hoje com 33 anos, e sempre se dedicou integralmente a ele e aos outros dois filhos. “Tive uma vida louca”, diz com um sorriso nos lábios. Após 15 anos de uma sofrida união, ela separou-se do marido e decidiu trabalhar como doméstica. Em seguida, prestou um concurso público para auxiliar de cozinha e passou em oitavo lugar. Foi trabalhar no Ministério da Saúde de João Pessoa, onde está há 23 anos. Nesse tempo, voltou a estudar e em 2006 formou-se no ensino médio. Ganhar um prêmio como cantora de ciranda foi uma espécie de recompensa por tudo o que passou. “Eu ainda não acordei, é um sonho. Tenho fé em Deus, me sinto realizada por ter vencido. Estou muito feliz também porque foi a primeira vez que eu andei de avião. Vim segurando agarrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida”, diverte-se.

Maria Cecy Barth, Literatura, com o conto Réquiem
Aos 78 anos, essa gaúcha de Taquara (RS) tem muita história para contar. Abandonada pelo marido aos 28 anos, teve de criar sozinha três crianças pequenas. Com os filhos adultos, voltou a estudar e aos 48 anos formou-se em publicidade. Mas o diploma não lhe garantiu o tão desejado emprego. “Nunca vou esquecer o que me disseram quando entreguei meu currículo em uma agência de publicidade: ‘Precisamos de idéias novas e ninguém tem idéias novas com mais de 30 anos’. Foi um choque”, lembra-se. Mas como não é de se deixar abater, junto com o irmão e uma amiga, sobrinha de Mário Quintana, abriu o bar Ocidente, em Porto Alegre, sucesso de público há mais de 20 anos. Também trabalhou ao lado de Quintana por oito anos. Era seu braço direito, datilografava os manuscritos do escritor, conferia a agenda e o ajudou na publicação de seu Diário Poético, uma agenda com pequenas frases e poemas dele. Maria Cecy é uma mulher de gestos finos e o seu bom gosto e paixão pela decoração fizeram com que ela se especializasse também nessa área. E foi mais longe. Aproveitando que uma das filhas morava em Paris, foi para lá cursar decoração. Dos 64 aos 74 anos trabalhou no showroomde uma loja de móveis em Porto Alegre. “Eu nunca senti a idade, adoro fazer isso.” Mas há quatro anos, ela mudou-se para Curitiba, para ficar mais perto de sua outra filha. Lá faz colagens artísticas e continua a escrever suas crônicas e contos, atividade que tem desde os 17 anos. É a terceira vez que se inscreve no Talentos da Maturidade. “Eu não escrevi pensando em ganhar. Queria apenas que alguém lesse o meu texto”, garante. “Quando me ligaram, achei que fosse trote. Quando a gente pensa que nada mais vai acontecer em nossa vida, vem o destino e mostra que ainda tem mais coisa reservada”, diverte-se Maria Cecy.

Antônio de Almeida Silva Filho, Contador de Histórias
Dá para entender perfeitamente por que ele ganhou o prêmio. Entre os vencedores, foi o discurso mais demorado, e um dos mais bem-humorados da noite. Articulado e simpático, esse cirurgião-dentista de 75 anos, morador de São Carlos, em São Paulo, venceu com O Pitoco e Eu, uma história baseada em um fato real de sua infância. “Sempre contei histórias para meus filhos, dei palestras e falei em público. Mas nada que outros pais também não faziam”, diz. Aposentado, ele hoje participa ao lado da esposa da Universidade Aberta à Terceira Idade, onde faz teatro, exercícios físicos e música. “Não podemos parar.”

Nelson Carvalho da Silva, Contador de Histórias
Lavrador, violeiro e conhecedor de danças folclóricas, Nelson tem 77 anos e é mineiro de Jequitibá. Casado, tem 3 filhos e dois netos. Duas de suas filhas costumam acompanhar o pai em suas viagens para apresentações ou para ser homenageado, como foi o caso de Raquel, que esteve o tempo todo ao lado do pai durante o evento em Recife. Ele também é professor de viola e já deu aulas para o violeiro e cantador mineiro Chico Lobo, considerado pela crítica um dos principais expoentes da música de viola do País. Junto com o artista, seu Nelson já se apresentou até em programas de televisão em Portugal. Sua história premiada é sobre animais, que, segundo seu pai sempre lhe disse, costumavam conversar com os humanos no passado.

José Damasceno Telles Camilo, Artes Plásticas
Eletricista de profissão, o mineiro José Damasceno há algum tempo deixou de atender intensivamente a clientela de Contagem. Aos 61 anos, ele hoje se mantém ocupado com os cuidados com a filha de 10 anos. “Virei babá”, diverte-se. Entrou para as artes como um hobby, e hoje, com mais tempo livre para fazer o que gosta, está conseguindo produzir mais quadros. Autodidata, desde os 16 anos cultiva paixão pelos pincéis. Aos 24 anos, conseguiu expor seus trabalhos pela primeira vez. Em sua primeira participação no concurso, venceu com a obra Unidos do Morro Alto Desfile de Escola de Samba. “Foi uma bênção. Estou emocionado”, diz ao lado da inseparável esposa.


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