Tuta: “Silvio Santos usou laranja para comprar a Record”

Cheguei à sessão de autógrafos às 5 da tarde, achando que não haveria ninguém. Mas já havia fila. O primeiro era o ex-governador Laudo Natel, aquele cuja mão hesitante foi levantada por Paulo Maluf depois de humilhá-lo na eleição indireta de 1976. O segundo ou terceiro era Silvio Luiz, com seu indefectível boné. Na minha frente estava o locutor Franco Neto, o que diz com voz de trovão, todos os dias: “São 8 horas no espigão da Paulista”. Digo que o Tuta deve ter bronca da Record até hoje, com certeza nem assiste ao canal. Ele concorda.

A fila só se mexe às 6, quando os autógrafos começam oficialmente. Na minha vez, encontro um homem com aparência mais jovem do que esperava encontrar.

Alex Solnik – Senhor Tuta, estou ligando o gravador. O senhor está contente com os rumos da Record?
Tuta – Não, não. Afirma sem vacilar. Ela não é nem sombra do que foi.
[nggallery id=14567]

A.S. – O senhor assiste à Record?
Tuta – Eu assisto a todos os canais, assisto aos programas bons e os ruins”. Responde sem responder.

A.S. – Gosta da forma como a Record se apresenta hoje, copiando a Globo em vez de criar o seu jeito?
Tuta – Quem sou eu para julgar?

A.S. – O senhor acha que Silvio Santos é um grande homem da TV brasileira?
Tuta – Não. Eu acho que ele conhece TV, teve o seu período áureo, mas hoje mais erra do que acerta.

A.S. – E por que razão o senhor se decepcionou com ele?
Tuta – Isso está no livro. Veja no livro.

Tuta

A proposta
A Record não estava bem de audiência nem de finanças, conta ele em Ninguém faz sucesso sozinho (Editora Escrituras, 430 pp., R$ 90), e metade das ações tinha sido vendida a Jorge Gerdau, sendo a outra metade do meu pai, Paulo Machado de Carvalho, continua.

Um belo dia, Silvio Santos liga para Paulinho, o irmão mais velho. “Tive uma ideia”, disse ele. Propôs entrar na sociedade. Convenceria Gerdau a diminuir sua participação de 50% para 33%, Paulo Machado de Carvalho também cederia 17%, de forma que Silvio ficaria com 33%, como os outros dois. “Tá bom”, concordou Paulinho. Logo depois, Silvio Santos ligou para dizer que o outro sócio estava de acordo com o negócio.

O laranja
Em poucos dias, Silvio voltou a ligar informando que havia um problema sério: as ações de Gerdau tinham sido compradas por um certo Joaquim Cintra Gordinho, que não abria mão delas de jeito nenhum. Desconfiado, Paulinho pediu ao amigo Mário, sobrinho de Joaquim, que apurasse o que tinha acontecido. A filha de Joaquim contou o segredo: “As ações estão em nome do meu pai, mas ele não tem nada com elas. Elas estão em poder de Silvio Santos.”.

Silvio era credor da Record, admite Tuta: “Silvio Santos havia emprestado 1 milhão de cruzeiros à Record e todo mês essa dívida era renovada. Aí, de repente ele resolveu exigir o pagamento da dívida. Se a empresa não tivesse como pagar, ele exigiria a devolução da quantia em ações da Record. Como ele já tinha a metade em nome de Joaquim Cintra Gordinho, aí assumiria o controle de fato da TV”.

A lábia
Certa manhã, Tuta, o irmão e o pai leem no Diário Oficial da União que a TV Record tinha passado para Silvio Santos. “A Record depositou 1 milhão no banco e foi com meu irmão para Brasília falar com o ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira.”

Paulo Machado de Carvalho passou um sabão na autoridade: “O senhor fez um troço que não podia fazer, ministro. Quem teria de mudar os acionistas para fazer essa mudança seria a empresa. O senhor só poderia mandar trocar o controle da empresa se os acionistas da empresa lhe pedissem”.

“O ministro”, diz Tuta, “percebeu que tinha caído na lábia do Silvio, que é bom nisso.”

Para consertar a situação, Quandt propôs que tanto Silvio quanto Paulo Machado de Carvalho ficassem com 50% e nomeou um almirante, amigo dele para dirimir as dúvidas.

“O resultado foi lamentável: os dois sócios com poderes iguais e o amigo do ministro resolvendo as pendências que apareciam entre as partes”, conclui Tuta. “Aquilo não tinha como dar certo. A Record foi caindo cada vez mais até que a situação ficou insustentável.”

Maluf não fala de política
O local da noite de autógrafos – a Saraiva, do Shopping Higienópolis — foi mal escolhido. Pequeno demais. Só a Jovem Pan tem 300 funcionários. Murilo Antunes Alves, um dos mais antigos, 62 anos de Record, não tem queixas dos novos donos. Exibe seu crachá. “Disponível” está escrito. Ganha sem trabalhar até hoje.

Murilo Antunes Alves

Paulo Maluf, de terno preto e gravata vermelha, pode falar horas sobre sua amizade com Tuta, mas quando pergunto sobre Marina Silva, desconversa: “Hoje não falo de política”.

Paulo Maluf

Não perco a chance de tirar uma com o Juvenal Juvêncio. “Queremos devolver o Muricy”, proponho. “Legal”, diz ele e sai de fininho.

Marco Aurélio Cunha, que adora provocar, faz discurso: “O Muricy é bom, mas por trás dele tem que ter um grande time”.

“Você está provocando o Belluzzo?”

“Não, o Belluzzo é meu amigo…”

Marco Aurélio Cunha

Pânico
A certa altura, a livraria fica intransitável. Os seguranças trancam os repórteres num chiqueirinho. (Só os da Jovem Pan circulam livremente.) Quando chegam os personagens do Pânico, a coisa esquenta. Adolescentes aglomeram-se no corredor, gritando por Sabrina Sato, Emílio Surita, Ceará, Christian Pior.

Emílio, de camisa listrada, cara de quem acabou de sair do banho, pede licença a um grupo de amigos “para atender a imprensa”.

Eles são as celebridades do momento. Meninas querem tirar fotos ao lado de Sabrina, exultante e exibindo um par de pernas bem malhadas.

De Emílio não chegam perto.

Pergunto a Christian Pior: “O que é pior, a Record de ontem ou a de hoje?”.

“A Gazeta de amanhã”, responde ele, em meio a gargalhadas.

Christian Pior



Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.