No Araguaia, 40 anos depois, ainda em busca dos corpos

BRASÍLIA – A esperança de encontrar os corpos dos desaparecidos, sabemos todos, é remota. Mas os parentes dos guerrilheiros mortos em operações do Exército na região do rio Araguaia, no começo dos anos 1970, nunca a perdem.

São 78 os desaparecidos conhecidos – 57 guerrilheiros, 20 camponeses e um soldado. Seus parentes lutam até hoje para poder enterrar os mortos de acordo com suas convicções religiosas e em respeito à sua memória.

Quase 40 anos após a Guerrilha do Araguaia, desencadeada pelo PCdoB, uma dissidência armada do antigo Partido Comunista Brasileiro, contra a ditadura militar, o governo brasileiro continua empenhado em resgatar a verdade sobre este período negro da nossa história.

É por este motivo que estou novamente em Brasília nesta tarde calorenta de quinta-feira. Amanhã cedinho, embarco num avião da FAB para a região, junto com meus colegas do Comitê Interinstitucional de Supervisão das Atividades do Grupo de Trabalho constituído pelo governo federal em abril deste ano, com a participação de militares e representantes da sociedade civil, para retomar as buscas dos desaparecidos.

Liderado pelos ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, o grupo acompanhará os trabalhos de escavação em Mutuma, município de São Geraldo, e na Fazenda Bacaba, onde fará sua primeira reunião de trabalho na região.

Os trabalhos estão agora entrando na terceira fase e deverão se estender até o final de outubro, quando começa o período de chuvas. Duas expedições já foram realizadas desde o começo de agosto, sem resultados até agora.

É como procurar agulha em palheiro, pois nestas quatro décadas as terras onde os corpos poderiam ter sido enterrados foram totalmente reviradas e a topografia mudada. Mas os trabalhos prosseguem.

Na última reunião do grupo, em Brasília, no dia 10 de setembro, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamim, ministro do Superior Tribunal de Justiça, um dos 11 integrantes do comitê de supervisão criado pelo presidente Lula, resumiu o pensamento que move todos os envolvidos nesta operação:

“Dar uma satisfação aos familiares, dar uma satisfação à sociedade brasileira e demonstrar o envolvimento do Estado Brasileiro no resgate histórico perante as gerações futuras”.

Dos cerca de 80 guerrilheiros enviados para a selva pelo PCdoB no início dos anos 1970, apenas 20 sobreviveram. Os demais foram mortos em combate durante as três operações desencadeadas pelo Exército a partir de 1972, até o final de 1974.

Estive pela primeira vez nesta região conhecida por Bico do Papagaio, em 1980, para fazer uma série de reportagens para a Folha de S. Paulo, mais tarde publicadas no livro “Massacre dos Posseiros – Conflito de Terras no Araguaia-Tocantins, da Editora Brasiliense.

Depois do final da guerrilha, a guerra pela terra ali continuou por outros meios e personagens, envolvendo grileiros, posseiros, garimpeiros, índios e religiosos, muitos deles estrangeiros, numa luta sem fim, que prossegue até hoje.

Ali, às margens dos belos rios Araguaia e Tocantins, na encruzilhada de três Estados, pegando o sul do Pará, o oeste do Maranhão e o antigo norte de Goiás (hoje Tocantins), vigorava a lei do mais forte numa terra de todos e de ninguém, onde nem o Exército e muito menos a Justiça conseguiam colocar um pouco de ordem.

Vou ver amanhã como anda a vida por lá tantos anos depois e conto para vocês no sábado (devo voltar no final da noite de sexta-feira).

Em tempo: antes que algum desavisado tire conclusões apressadas a respeito da minha participação neste Comitê Interinstitucional, informo que se trata, segundo decreto presidencial que o criou, de “serviço público relevante, não remunerado”.


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