Cientistas americanos anunciaram que metade das pessoas nascidas no século XXI viverão 100 anos ou mais. A notícia, a princípio, animou meu espírito. Agradeci a Deus por ter nascido no século passado. Não faço parte da geração Matusalém. Sabe-se lá quanta aporrinhação um sujeito tem de enfrentar para completar um centenário? Imagine passar uns 40 anos tentando lembrar onde diabos estão as chaves, os óculos ou o remédio para artrite. É verdade que daqui a pouco vão lançar um Google pessoal, que acompanhará os mínimos detalhes do dia a dia de cada habitante do planeta. Mesmo assim, quem garante que os velhinhos do futuro vão recordar que o serviço existe? Melhor será aguentar até os 80 e partir desta para melhor.

Confie em mim: tenho experiência nessas coisas de longevidade. Minha bisavó – espanhola de Múrcia – morreu aos 104 anos. Estava um caco ao fazê-lo. Via gente saindo pelas paredes. Uma bad trip constante. Sou da geração que popularizou o LSD. Tive um companheiro de escola que tomou um ácido e nunca mais parou de viajar. Está até hoje vendo animais em cores que não existem na natureza. La bisabuela teve uma vida riquíssima, mas não se lembrava de nada. Isso trazia boas e más consequências. Entre as desvantagens, ela achava que meu avô era seu pai, eu era meu avô e, minha mãe, Nossa Senhora. Em compensação, a velhinha não fazia a menor ideia de quem fosse seu genro, o tio Nino, era um autêntico cavalgadura, a não ser pelo fato da incapacidade irredutível de participar em qualquer atividade produtiva. Quando ele morreu – dizem que, dormindo – sugeri o epitáfio: “Morreu como viveu: deitado”.

Os centenários do futuro, ao que tudo indica, também estarão destinados ao dolce far niente. Se hoje está faltando emprego, calcule como vai ficar daqui a 100 anos. Além disso, com o aquecimento do planeta, o calor que vai fazer não será condutivo ao trabalho. “Brastemp” virará grife de roupas: as pessoas vestirão geladeiras pessoais. Dentro de casa, a velharada andará só de sunga, com o ar condicionado a toda – um horror estético sem limites. Quem sair à rua arriscará derreter como escultura de manteiga. E o tráfico de veículos se tornará ainda mais impossível. Imagine todo mundo dirigindo na faixa da esquerda, com o pisca-pisca ligado. Bolos de aniversário devem exigir o acompanhamento de bombeiros. Multidões começarão conversas com a frase: “No meu tempo, tudo isso aqui era mato”. Principalmente quando estiverem se referindo à Amazônia.

Tenho pena dos meus netos, obrigados a acompanhar o noticiário político por um século. Haja saco! Se bem que, pelo visto, as coisas mudam pouco. Isso a despeito da infidelidade partidária, que a cada dia torna mais difícil seguir a carreira de um deputado ou senador. O que restará do Tesouro Nacional quando os eleitos poderão roubar durante cerca de 80 anos? A vingança é que, provavelmente, eles vão se esquecer onde colocaram a bufunfa.

Pense bem, 50 anos não servem como “meia-idade”. Pelo menos, não no meu caso. Com essa idade, eu já estava surdo de um ouvido, meio artrítico, sem vários dentes naturais, com a memória quase comparável a da bisabuela e rabugice em altíssimos patamares. Até mulheres balzaquianas me chamavam de “tio”. Uma noitada num bingo começou a parecer um bom programa. Em resumo, minha bisavó estava certa: virei meu avô. Não desejo o mesmo destino aos meus netinhos.


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