Assim como a vida, cobrir um evento literário do porte do Fórum das Letras de Ouro Preto não é fácil. É preciso – caindo no clichê – fazer escolhas. E uma escolha implica em uma renúncia (ou várias renúncias). É humanamente impossível assistir a todas as mesas, acompanhar todas as programações. Por exemplo: enquanto digito isto, está acontecendo a mesa “A importância da literatura na formação jornalística”, com José Castello. Por outro lado, fui um dos poucos que, na sexta à noite, ficaram até o fim da performance de Nuno Ramos, sobre a qual farei um comentário mais abaixo.
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Na sexta-feira (30), a programação principal do Fórum teve início com a mesa “O papel da crítica no Brasil: limites e possibilidades”, com Almir de Freitas (editor de Bravo!), José Castello (escritor, crítico literário, colunista dos jornais O Globo e Rascunho), Luciano Trigo (escritor, crítico de arte e literatura, mantém a coluna “Maquina de Escrever” no portal G1) e Manuel da Costa Pinto (escritor e crítico literário). Mediada pela idealizadora do Fórum, Guiomar de Grammont, este foi, até agora, o debate que deu origem a mais questionamentos do público – que pode fazer perguntas para os autores após determinado tempo de conversa entre eles e o mediador.
Guiomar começou perguntando sobre qual o papel do crítico entre autores e leitores. Manuel foi o que melhor definiu a função do crítico: ser um decodificador que interpreta a obra quando esta é por demais hermética, densa. Já Castello disse não se considerar crítico literário. O que ele entende por crítica literária está, na sua opinião, nas universidades. Seu trabalho se aproxima mais da crônica, disse. Dando continuidade à conversa, Luciano Trigo afirmou que os escritores se desabituaram a serem contestados. Quando o são, as reações podem ser as mais absurdas possíveis. Foi quando José Castello contou o caso de um autor que telefonou para ele afirmando que iria cometer suicídio, depois de Castello ter publicado uma crítica que não chegou a ser negativa, mas apontava problemas na obra do autor. Até onde se sabe, o tal escritor não se matou. Mas, se uma crítica negativa geralmente não é aproveitada pelos autores, o elogio excessivo pode ser prejudicial. Afinal, nenhuma obra é perfeita; é importante, além de levantar méritos, apontar problemas.
A segunda mesa, “Passos da produção do livro: da redação à edição”, contou com a presença da editora francesa Anne-Marie Metailié – fundadora da editora Éditions Métailié, que tem em seu catálogo vários autores brasileiros, como Lucio Cardoso, Bernardo Carvalho e Machado de Assis -, Lucia Riff – uma das raras agentes literárias do Brasil, fundadora da agência literária Riff – e Ricardo Aleixo – poeta e multiartista, autor de “Trívio” e “Máquina Zero”, entre outros. No Brasil, a maioria dos contratos entre editoras e escritores é feita sem intermédio de agentes literários. Já nos Estados Unidos, por exemplo, país em que o mercado editorial é colossal, se comparado ao nosso, Lucia Riff brincou dizendo que um autor não espirra sem perguntar se pode ou avisar ao seu agente. Segundo ela, o trabalho do agente é basicamente proteger o escritor dos perigos do mercado – algumas editoras “independentes” cobram preços abusivos para editar uma obra – e conseguir contratos vantajosos com editoras maiores, por exemplo. Anne-Marie concordou, afirmando que prefere não orientar seus autores quanto ao conteúdo de suas obras, e sim tentar conseguir o melhor contrato possível para os livros. Ricardo Aleixo falou sobre sua experiência de ser um autor multimídia, que, se por um lado agrega um valor maior a seu trabalho, por outro torna difícil ser publicado por grandes editoras, visto que é um trabalho alternativo. Falou-se também sobre tradução, por conta da experiência de Anne-Marie com autores brasileiros. A francesa fez uma analogia sensacional entre livros e cabelos: o tradutor não é um cabeleireiro que vai alisar o cabelo, mas sim respeitar as irregularidades do cabelo. Ou seja: um tradutor não pode ser uma espécie de co-autor do livro e tentar aperfeiçoá-lo, mas procurar manter, da maneira mais fiel possível, os defeitos do autor, porque de certa forma até mesmo eles fazem parte do estilo.
A última mesa do dia, “Escrita e liberdade: a literatura é capaz de transformar e redimir?”, com Frei Betto e a escritora portuguesa Margarida Paredes, foi a mais divertida do Fórum até agora. E a mais “politizada”, por assim dizer. Paredes falou sobre a questão de Angola, que até pouco tempo estava em guerra civil e enfrenta hoje, apesar de ter um governo estabelecido, instabilidade política, como acontece com países recém-saídos de conflitos. Frei Betto, que durante dois anos trabalhou para o governo Lula e escreveu dois livros inspirados na experiência (A mosca azul e Calendário do poder) e é mineiro, estava bem humorado e falou bastante. Opinou sobre o momento pelo qual estamos passando: “Governo é igual a feijão, só funciona na panela de pressão”, disse, conclamando os jovens a se mobilizar. Afirmou que o “sistema” faz com que os jovens queiram se transformar – colocando piercings, usando cabelos coloridos etc. – e com isso não pensem em transformar o mundo. Criticou, também, a forma com que o governo lida com a violência. Frei Betto disse que, em vez de mandar a polícia subir os morros, o governo deveria enviar professores, construir bibliotecas – “a educação é que deve subir os morros”, porque “sem educação não há saída”. Mas, apesar das críticas, Betto encerrou dizendo que o “Brasil e a América Latina são melhores com Lula do que sem Lula”.
No fim da sexta-feira, houve a performance “Ó”, do escritor e artista plástico Nuno Ramos, acompanhado da cantora e artista plástica Maíra Lana (http://mairalana.blogspot.com/), e do percussionista Henrique Rezende. Nela, Nuno leu trechos de suas obras enquanto, paralelamente, aconteciam intervenções espaçadas de Maíra e Henrique, executando sambas, e uma voz em off “falando” palavras ao léu. A sensação dos espectadores foi semelhante à de quem se aventura a ler em ônibus e metrôs lotados. Depois da performance, houve uma conversa entre Ramos e José Castello, sobre a apresentação, o modo de criação de Nuno e também sobre Ó, seu mais recente livro, que é um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. A contar pelos elogios feitos por Castello à obra e seu autor (ele afirmou ter lido o livro três vezes, gostando ainda mais da obra a cada leitura), não será surpresa alguma se Ó for anunciado vencedor do Prêmio (o resultado está programado para ser divulgado na próxima semana).
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