A articulação nem sempre simples entre o global e o local foi um dos temas abordados no debate sobre o cenário internacional da cultura digital, que marcou o encerramento do Seminário Internacional do Fórum Cultura Digital Brasileira, realizado entre 18 e 21 de novembro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. [nggallery id=14484] Será possível garantir a liberdade de usuários e ao mesmo tempo respeitar formas de segurança, controle e legislações regionalizadas? O Google acredita que sim, mas coleciona histórias que deixam evidente se tratar de uma tarefa nada fácil.Um exemplo apresentado aconteceu recentemente na Turquia, onde há uma legislação que proíbe críticas e ofensas à família do fundador da nação turca. Vídeos postados no Youtube, com críticas pesadas, foram considerados difamatórios pelo governo turco, que mandou retirá-los da internet. “Atendendo a lei da Turquia, retiramos do ar, mas apenas lá. No resto do mundo, onde a exibição dos vídeos não era ilegal, os filmes continuaram liberados”, conta Ivo Correa, diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais do Google. Não contente com a decisão, o governo turco proibiu o You Tube no país durante vários meses.LEIA TAMBÉM:
Periferias globais
Terra sem lei
Infraestrutura digitalPara a autora do livro You Tube e a Revolução Digital, Jean Burgess, que realizou pesquisa sobre 4.300 vídeos apontados como os mais assistidos na comunidade, “o YouTube é um acervo cultural da sociedade moderna, um mapa do que está acontecendo no mundo, promotor de intercâmbio entre culturas”.Entretanto, não é o que pensa o inglês Jamie King, diretor do webdocumentário Steal this film (Roubem este filme), sobre os conflitos da cultura livre com o copyright. “Ele (o Youtube) abre a comunicação para as pessoas compartilharem seus vídeos, que acabam alimentando um gigantesco sistema econômico sem retribuir financeiramente nenhum dos usuários”.O encerramento do seminário internacional teve a presença do ministro da Cultura, Juca Ferreira, além de outros representantes do governo. Na ocasião, organizadores e palestrantes fizeram um balanço do evento. “Superou as expectativas”, diz Rodrigo Savazoni, do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, e um dos responsáveis pela organização do seminário. Durante os quatro dias, mais de 700 pessoas estiveram presentes. Um documento com diretrizes e propostas elaboradas durante o encontro foi entregue ao ministro.”Desde 2003 para cá, ocorreram alguns avanços importantes no processo de criação de uma política para o digital, dentro do Governo Federal e do Ministério da Cultura”, conta Savazoni. Para ele, o encontro consolida este processo, apresentando novas formas de pensar e criar políticas culturais. “A cultura e o conhecimento não podem ser apêndices. São o centro de uma nova forma de desenvolvimento”, defende.”Tivemos aqui um espaço físico do ciberespaço”, emendou Cláudio Prado, do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital. O ministro Juca Ferreira, além de garantir a continuação da plataforma culturadigital.br, aproveitou para defender a polêmica mudança na Lei Roaunet. “Novo formato atual, a lei federal de incentivo à cultura privatiza o dinheiro público”.Por uma outra democraciaO processo que desembocou no seminário internacional, realizado em São Paulo, teve início no Fórum da Cultura Digital Brasileira, que, por sua vez, começou a ser desenhado há dois anos. A ideia era organizar um ambiente institucional que levasse adiante a temática do digital após a saída de Gilberto Gil do Ministério da Cultura. “Era uma agenda que estava muito ligada à pessoa de Gil, que é um formulador, um entusiasta, da cibercultura, e com sua saída, a tendência era isso arrefecer”, conta Rodrigo Savazoni.”A única área que existia para promover políticas e projetos nesse campo era uma ação, completamente intermitente, voltado aos Pontos de Cultura (programa Cultura Viva, do MinC, de incentivo a iniciativas culturais em áreas de baixo IDH)”. A condução política do processo coube à secretaria de Políticas Culturais do MinC, sob comando de José Herencia e José Murilo Jr. Em junho deste ano, a Ministra Dilma Roussef anunciou o Fórum da Cultura Digital durante o Festival Internacional de Software Livre, o Fisl, em Porto Alegre. Naquele momento, entrou no ar a rede social www.culturadigital.br, plataforma experimental de mídias sociais e colaborativas voltada para o uso público, resultado de parceria entre o MinC, a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa) e a sociedade civil.Pouco depois, o Fórum foi lançado oficialmente, em julho, e a rede se tornou aberta. “Nessa ocasião, realizamos a primeira roda de conversa entre um ministro de estado, o Juca Ferreira, com blogueiros e produtores de mídias sociais. Também transmitimos o evento ao vivo e estimulamos a participação de pessoas em todos os estados, por meio de acompanhamento remoto”, conta Savazoni. Atualmente, a rede contabiliza mais de 3 mil participantes. “Vários grupos e blogs foram criados, e as conversas estão só começando”.Durante o seminário internacional foi lançada ainda uma plataforma aberta para o upload de vídeos (http://video.culturadigital.br), baseada na ferramenta Kaltura, que permite remix online de conteúdos. Nos próximos dias, segundo Savazoni, será divulgado um balanço do encontro em São Paulo, nos cinco eixos debatidos: arte, comunicação, economia, infraestrutura e memória.Também está previsto para este ano ainda o início do debate sobre novo modelo institucional de gestão do Fórum. “Queremos uma governança baseada em um conselho, eleito diretamente por processo online (como ocorre com o Comitê Gestor da Internet)”, diz Savazoni. “Precisamos de novas instituições democráticas, de outra democracia, e estamos tentando vencer esse desafio”, conclui.
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