Anacrônicos do mundo moderno

Nos filmes da diretora Anna Muylaert, ao que tudo indica, há um momento em que a história chega a um ponto de ruptura e toma outros caminhos, até então inesperados. Foi assim no primeiro filme que ela dirigiu Durval Discos (2003), quando a história saía do tom de comédia de costumes e tomava ares de comédia de humor negro. A crítica, na época, falou que o filme tinha o lado A e o lado B. “Eu acho que todo filme tem seus dois lados, mesmo que não seja tão perceptível em algumas vezes. Concordo que, nos meus filmes, essa ruptura é mais explícita”, revela a diretora para o site da Brasileiros. Mas, a referência ao lado A e ao lado B serve também para designar a importância que a música tem em seus filmes (como nos velhos discos de vinil), servindo como uma espécie de alinhamento para a narrativa e para o desenvolvimento das histórias dos personagens. “A música, para mim, é essencial, como pessoa e como diretora. Ela me ajuda a contar a história dos meus filmes, dos meus personagens. Tenho identificação muito grande com a música dos anos 1960 e 1970 do Brasil, principalmente a MPB. Por isso, dificilmente consigo me identificar com as músicas de hoje”, diz ela.
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Em seu novo filme, É Proibido Fumar, que chega hoje em 38 salas de todo Brasil (com exceção das regiões Sul e Norte), Muylaert traz novamente uma mudança de rumo na história, que começa com uma comédia leve e ganha, lá pelas tantas, um ar mais sombrio. A história gira em torno da personagem Baby (excepcionalmente interpretada pela Glória Pires), uma mulher beirando os 40 anos, solteira, que dá aulas de violão em seu apartamento e fuma muito. Todo o universo de seu apartamento e de sua vida parece que ficou estagnado em um tempo remoto. Ela se veste com roupas de brechó, vive brigando com uma das irmãs (Marisa Orth) pelo sofá que uma tia deixou para ela e reclamando com a outra (Dani Nefussi) por causa da vida. Sua companhia é o cigarro e os programas de fofocas que pipocam na televisão hoje em dia. “Acho que Baby é uma solitária que vive sua vidinha sem muitas preocupações e sem grandes sonhos. Mas ela faz isso meio que sem opção, pois não soube se adaptar aos tempos modernos”, fala Glória Pires, em entrevista exclusiva para o site da Brasileiros. Um belo dia, Baby vai para a varanda do seu apartamento e observa que o vizinho terá um novo inquilino, Max (Paulo Miklos). A partir daí, a história começa a se desenvolver.

Sintonia perfeita

Um dos vários acertos do filme é a dupla de protagonistas, Pires e Miklos, que estão bem à vontade em seus papéis, ao ponto de acharmos que eles são reais e que vamos encontrá-los na rua. Os dois atores ganharam, merecidamente, os prêmios de Melhor Atriz e de Melhor Ator no Festival de Brasília em novembro (o filme foi o grande vencedor do festival, com nove prêmios, entre eles o de Melhor Filme e o prêmio de Crítica. Injustamente, o prêmio de Direção não foi para Muylaert). “Foi uma grata surpresa trabalhar com o Paulo. Ele é muito engraçado e sério ao mesmo tempo. Fiquei admirada com a capacidade que ele tinha de compreender seu personagem”, revela Glória. “Eu fiz o Max pensando nos vários “Max” que eu conheço por aí. Foi um personagem muito prazeroso de fazer. Trabalhar ao lado de uma atriz como Glória é um grande e inesquecível presente. Ela nos ensina com seu profissionalismo e sua candura”, diz um Paulo Miklos, entusiasmado, para nossa reportagem. “O que mais me surpreendeu no Paulo e na Glória foi a forma como compuseram seus personagens, no tocante ao tratamento amoroso que eles empreenderam para a Baby e para o Max. Eu, no roteiro, fiz um Max mais escroto e uma Baby mais decidida e firme”, explica Anna.

A vida e seus percalços

Na história, como era de se esperar, Baby e Max começam a namorar. Ela deixa de fumar por ele (uma das cenas mais engraçadas do filme é quando ela vai participar de uma sessão de ex-fumantes para deixar o cigarro). A vida entre eles vai transcorrendo sem muitos atropelos, até que entra na jogada a ex-namorada de Max, Stellinha (Alessandra Colassanti) e a harmonia será desfeita. Para não estragar a surpresa do filme, paramos por aqui. O filme é recheado de pequenas participações, como a da família Abujamra (Antônio, o filho André e o neto José), a cantora Pitty, Etty Fraser, Paulo César Pereio, o rapper Thogun, o escritor e agora ator Lourenço Mutarelli, entre outros. A cidade de São Paulo já era um personagem no primeiro filme de Anna Muylaert e novamente volta agora, com a mudança apenas do bairro onde a história acontece, Higienópolis. Como falamos logo no início do texto, a música entoa no filme como um bálsamo para os desencontros dos personagens com a vida e com os outros. “Gosto de histórias fortes e que, de alguma maneira, cause estranhamento nas pessoas. Tendo deixar tudo em aberto, para que o espectador seja convidado a refletir sobre o que viu, porque a vida para mim é assim, inesperada”, explica a diretora sobre suas escolhas.


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