Diante da fragilidade partidária, em lugar de projetos e programas, o que definirá o voto dos eleitores em 2010 é o estilo, a personalidade e o desempenho pessoal dos principais candidatos, que ainda não sabe dizer quais serão.
O cenário acima foi apresentado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao final de uma palestra de improviso, com mais de uma hora de duração, que ele fez na manhã desta segunda-feira, para uma seleta platéia de cerca de cem executivos convidados pela Accor, a rede multinacional francesa de hotéis.
“Quem vai ganhar? Não sei dizer. Meu partido tem no momento dois candidatos, o Serra e o Aécio, o que é um tremendo abacaxi. Como vamos decidir? Fazer prévias? Fazer uma escolha entre os caciques? Em 2006, falaram que a escolha foi feita por nós da cúpula num restaurante, mas a verdade é que o Serra desistiu de disputar aquela eleição, e o candidato foi o Alckmin”, revelou FHC, mostrando as dificuldades que o PSDB enfrenta para definir sua candidatura em 2010.
“O que vai definir qual será o nosso candidato, no final, serão as pesquisas de opinião. No momento, o Serra está na frente. É uma discussão entre nomes, ninguém discute o que eles pensam. Eles pensam, eu espero Mas isso só vamos discutir depois”.
Para o ex-presidente, o que define uma eleição é o comportamento do candidato, o trabalho dos marqueteiros, e ponto. “A Dilma até já fez plástica. O Serra, eu não sei”. Um exemplo do enfraquecimento dos partidos dado por FHC foi o fato de “Lula ter escolhido sua candidata sem ouvir ninguém, nem ela”.
Ao falar do quadro eleitoral, o ex-presidente fez mais perguntas do que afirmações. “Até que ponto funcionará a transferência de votos do presidente Lula para a sua candidata? Não sabemos”. Só de uma coisa ele tem certeza: “O presidente que for eleito enfrentará uma conjuntura pior do que a atual”.
No centro das suas preocupações, está a questão cambial, com o real supervalorizado, a exemplo do que aconteceu no seu governo, na crise de 1999. “Agora vai ser mais difícil sair deste impasse porque não é o real que está forte, é o dólar que ficou fraco”.
Para ele, as principais economias, incluindo o Brasil, souberam reagir rapidamente para evitar uma depressão quando estourou a grande crise financeira, em outubro do ano passado, mas “ainda há uma nuvem escura no mundo”.
Fernando Henrique começou falando da situação internacional pós-crise, depois veio para a América Latina e, por fim, fez uma análise das suas consequências no país. “O Brasil se portou bem na crise financeira. Tínhamos reservas e o Banco Central caminhou na direção correta. Pode-se fazer uma crítica aqui ou ali, se poderia ter demorado menos para agir, mas nada que possa ser usado na campanha.” Reconheceu até o bom momento vivido pela economia brasileira, que deve crescer entre 3 e 4% nos próximos anos. “O BNDES tem hoje três vezes mais reservas para empréstimos do que o Banco Mundial”.
Além da indefinição da candidatura, parece residir exatamente aí o grande dilema da oposição para definir sua estratégia em relação a 2010: o que dizer ao eleitor?
O próprio palestrante fez apenas críticas pontuais ao atual governo – além da questão cambial, falou dos equívocos da política externa, “em que jogamos tudo para conseguir uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e não ganhamos nada”, e do afrouxamento do gasto público -, mas nada capaz de comover o eleitorado nos palanques.
A denúncia do mau uso de recursos públicos, outro tema ensaiado pelas oposições este ano, sofreu um sério abalo nas últimas semanas com o panetonegate do DEM e seus aliados do PSDB e do PPS em Brasília, o que levou FHC a concordar com Lula na necessidade de se convocar uma Constituinte exclusiva para fazer uma reforma político-eleitoral, mas não agora.
“O presidente deveria ter proposto isso no começo do governo, não no final”, disse. Muito à vontade, como se estivesse dando uma aula magna em alguma faculdade, FHC foi pulando de um assunto a outro com bom humor, sem aparentar os 78 anos já completados. Nem reclamou quando teve que responder ainda a algumas perguntas após a palestra, que começou com mais de uma hora de atraso.
Já passava das duas da tarde, quando o almoço foi finalmente servido: tartare de atum, vieiras e foie gras, carré de cordeiro de leite e torta folhada com creme de limão. Para acompanhar, vinho nacional, quer dizer, francês.
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