Retrospectiva 2009 – o lado B da notícia
Luiz Felipe Scolari, o Felipão, deixou o Chelsea depois de apenas 41 jogos, em fevereiro de 2009. Uma reflexão sobre a queda do treinador brasileiro, que hoje está no Bunyodkor, do Uzbequistão.
Foto: Jamie Mcdonald / Getty Images / AFP |
Felipão é mais um técnico brasileiro que cai no comando de um time de ponta da Europa. Quer dizer, o Chelsea pode ser chamado de um “novo rico” do velho continente. Não tem, ainda, o peso da história de um Milan, um Real Madrid ou um Manchester United, para citar um clube da mesma terra dos Blues, a da Rainha.
Antes de Luiz Felipe Scolari, o caso mais recente foi o de Vanderlei Luxemburgo no Real Madrid. Vencedor indiscutível no Brasil, Luxemburgo não conseguiu ficar nem uma temporada na Espanha. Chegou em janeiro e saiu em dezembro de 2005. Sem títulos e sem deixar saudades.
A maior dificuldade: a língua. Luxe, como foi apelidado por lá (uma corruptela do Luxa daqui do Brasil), não conseguiu dominar o castelhano a ponto de passar os ensinamentos táticos que sabe tão bem. A distância entre o técnico e os galácticos Beckham, Zidane, Raúl, Casillas, entre outros, ficou maior e Luxemburgo retornou ao Brasil depois de breve aventura na Espanha.
Já Felipão assumiu o Chelsea com credenciais do tamanho do iate do dono do time de Stamford Bridge, o russo Roman Abramovich: campeão mundial com a seleção brasileira, em 2002, um vice-campeonato de Eurocopa, com Portugal, em 2004, além de um bravo quarto lugar na Copa de 2006, também com os lusos. Antes, por times brasileiros, dois títulos de Copa Libertadores (1995 e 1999), a Champions League da América do Sul, e outros de menor importância aos olhos dos europeus, como Campeonato Brasileiro (1996) e Copa do Brasil (1991, 1994, 1998).
Na primeira entrevista coletiva, Felipão foi simpático e falou inglês com certa clareza, até para a surpresa dos repórteres. A imprensa o recebeu bem, passou a chamá-lo de Big Phil, achou engraçado o uso do casaco e calça do Chelsea nos jogos, em vez dos tradicionais terno e gravata, vestimenta comum entre os técnicos na Europa. No primeiro jogo oficial, um 4 a 0 contra o Portsmouth, pelo Campeonato Inglês, prenunciava um casamento longo de Felipão com o Chelsea. Ele estava formando a Family Scolari, agora com sotaque inglês.
Mas, resultados ruins nos clássicos contra Arsenal, Liverpool e Manchester United, os velhos boatos dos tabloides britânicos sobre rachas no elenco azul e, para completar, as perdas bilionárias na crise financeira mundial, que arrombaram o patrimônio de Abramovich, fizeram a passagem de Felipão na Inglaterra durar muito menos do que ele imaginava.
Mais importante do que tudo o descrito acima, o maior obstáculo foi a língua. Felipão, mais do que técnico, é um prosador. Aproxima-se dos jogadores com a intimidade de um pai, de um avô. Sabe bem a hora de puxar a orelha de um, de afagar o outro. Em 2002, na Copa do Mundo do Japão e da Coréia, ligava diariamente para a psicóloga Regina Brandão, com quem realizou um trabalho com os jogadores na seleção brasileira, e sabia exatamente o que fazer com cada um do grupo. Há detalhes dos bastidores de como Felipão conseguiu chamar os jogadores para perto dele e formar a “Família Scolari” no livro Felipão – A alma do Penta, do jornalista Ruy Carlos Ostermann.
Mas, e no Chelsea?
How dar um approach no Lampard e contar-lhe aquela story very emocionante about sua família, about como ele pode dar um help na situation de everybody, it is us on the tape!?
Felipão perdeu para o inglês, não para seus pensamentos sobre futebol, tampouco para sua personalidade, às vezes explosiva.
Há um poema de Vinícius de Moraes, de 1939, época em que morou em Londres. “A Última Elegia (V)” fala dos telhados de Chelsea, bairro da capital inglesa que dá nome ao ex-time de Felipão. Vinícius mistura inglês e português e cria uma confusão lírica para falar de um amor (sempre, o amor).
A forma dos versos (inglês e português) pode ser um retrato da melancólica passagem do técnico pelo time londrino. Para ler o poema no site oficial de Vinícius de Moraes, clique aqui.
Quem sabe, Felipão não reflita muito nesses próximos meses que ainda ficará em Londres. “I wish, I wish I were asleep…” “Quem dera fosse mesmo um pesadelo”, diria Felipão.
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