De cobrador a senador

Nada foi planejado na vida de Sebastião Machado Oliveira desde seu nascimento, em União, no Piauí, em 1958, até seu emprego mais importante, com um bom salário de R$ 12.800. Sibá, como é mais conhecido, é o sétimo dos dez filhos de um casal de roceiros. Foi na roça que começou a vida, mas era novo, mirrado e pouco ajudava. E no campo é assim que funciona: não trabalha, não come. Sibá passou fome, ficou desnutrido – marca até hoje visível.

Se o começo da vida de Sibá parece a repetição da saga de milhares de nordestinos, como a de Severino, de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, os passos posteriores nada têm de comuns.
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Em 1969, Sibá, pai, mãe e irmãos seguiram para a capital do Piauí, Teresina, à procura de trabalho. “Nos urbanizamos”, diz Sibá. Na cidade grande, seu pai arrumou bicos de pedreiro, vigia e carpinteiro. Sibá fez o mesmo. Foi procurar o que fazer. Aos 11 anos, foi contratado como o moleque de recados, o carregador, o vendedor, o faz-tudo de uma loja.

Sibá gostou do serviço, dedicou-se e, a cada dia, era mais requisitado. Trabalhava desde que a loja abria até o final do dia, sem intervalos, sem refresco. “Não sobrava tempo nem pra comer direito. Eu corria pra trás do balcão quando o movimento diminuía, pegava a marmita que eu dividia com outros dois colegas, jogava a comida numa caixa de papelão, tirava um pedaço da tampa da caixa que fazia como colher e raspava a comida pra dentro da boca.”

Mas tudo podia piorar – e piorou. Seu pai foi trabalhar como carpinteiro na construção da Rodovia Transamazônica, no Pará. Com ele foram os três filhos mais novos. Os mais velhos se mudaram para São Paulo à procura de emprego. Sibá não deveria, mas ficou em Teresina com outro irmão.

“Deveria ter ido pro Pará. Mas não sei o que aconteceu.” Sibá continuou na loja, mas o dinheiro não dava para suas despesas. Pulou de casa em casa, morando de favor. Mas uma hora, já com 19 anos, os favores acabaram. E Sibá ficou sem teto. Sem casa e sem dinheiro, a solução foi migrar pela segunda vez. Agora para São Paulo, atrás das boas novas dos irmãos mais velhos, todos empregados.

“Lá eu vi que esse negócio de experiência conta muito pra arrumar um emprego.” Sibá bateu à porta da Walita, da gráfica do Itaú, da Aços Villares. Nada conseguiu. O tempo ia passando e nada de emprego. Foi então que a Auto Viação Jurema o aceitou em seu quadro de funcionários. Sibá seria cobrador de ônibus na linha que levava estudantes à Universidade de São Paulo e era usada por Diogo, que estudava Direito nessa época e, hoje, é subordinado a Sibá.

Na empresa, Sibá era zeloso, colocava o dinheiro sempre em ordem, marca-d’água sobre marca-d’água, valores em ordem crescente e tudo muito bem enrolado em elásticos de borracha. Ganhou, por isso, o apelido de “Federal”.

“Federal” era bem-visto pelos colegas e chefes, o que lhe abriu as portas para o sindicalismo. Era Sibá quem resolvia os problemas dos colegas no dia do pagamento. Faltou uma hora extra? Fale com o Sibá. Veio dinheiro a menos? Fale com o Sibá. “Eu resolvia tudo!”

E assim se passaram 11 meses. Até que, novamente, um imprevisto. Seu pai adoeceu. 1983. O coração do velho começou a falhar. Não podia mais cuidar da roça. Chamou Sibá.

Sibá largou o emprego de cobrador e seguiu para Uruará (PA), na época um lugarejo que em tudo dependia de Altamira e Santarém. Meses depois, o pai de Sibá morreu. Se não bastasse, Sibá não tinha como enterrar o corpo. Em Uruará não existia cemitério e levar o corpo para uma cidade próxima custava caro.

A solução foi enterrar o corpo num terreno perto de sua casa. Estava criado o cemitério de Uruará. Mas quem seria o coveiro? Chamem o Sibá! “Cavei muita, muita cova ali. Enterrei criança, adulto, tudo. Foram uns dois anos assim.”

Coveiro, roceiro, ex-comerciante e ex-cobrador de ônibus, Sibá resolveu entrar para a igreja. Não, não. Sibá não virou padre. Sibá seria doutrinado. E foi por esse caminho tortuoso que ele entrou para a política.”Tive muitos cursinhos na época da igreja.” No início, foi bombardeado por doutrinas stalinistas nos cursos ministrados por ex-guerrilheiros que a igreja acolheu e até por alguns padres simpatizantes. “Não me apeguei muito a isso, me apeguei mais à igreja.”

Sibá entrou para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Pará e, a convite da igreja, foi para o Acre, onde logo se aproximou de duas lideranças: o seringueiro Chico Mendes e a atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Começava aí mais um trecho de sua vida, menos dramático, mas igualmente torto.

Sibá criou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Acre. Em seguida, levou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) para o estado e foi eleito seu presidente. Depois, tentou ser deputado federal e prefeito. Foi derrotado nas duas vezes e, mais tarde, tornou-se suplente de um deputado estadual. No meio do caminho, voltou a estudar e formou-se em Geografia, incentivado por um dos fundadores da CUT, o deputado federal Vicentinho (PT-SP), que, já quarentão, graduou-se em Direito.

Em 2002, sem condições para ser candidato a qualquer coisa, foi escolhido suplente na chapa da então candidata ao Senado, Marina Silva. Foi o bilhete premiado. Marina seria ministra do governo Lula – todo mundo sabia – e Sibá cumpriria os oito anos de mandato no Senado sem ter recebido nenhum voto.

Político inexperiente, óculos fundo de garrafa, baixo, voz fina e esganiçada, tímido, Sibá chegou ao Senado quase como uma atração para os políticos profissionais.

Alguns o chamavam de “Simbá, o Marujo”, personagem da clássica história infantil. Outros, na oposição, faziam questão de provocá-lo em plenário, abusando de sua incipiência. Os aliados o usavam como testa-de-ferro. Era Sibá quem dava a cara a tapa para proteger os amigos “mensaleiros”, “delúbios”, “dirceus” e afins. Sibá era o avesso do profeta Isaías, em quem tanto se espelhou na infância.

E foram os aliados, em especial sua amiga e conselheira, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que o levaram à presidência do Conselho de Ética do Senado.

Sibá, ávido leitor de biografias – adorou as de Hitler e Churchill -, pouco cuida da sua. Deixou-se levar a vida inteira, deixa-se levar agora. Ainda lhe restam mais três anos e meio de mandato pela frente. O que quer fazer nesse período? “Aprender.”

Do ônibus de São Paulo às covas do Pará, até chegar ao espaçoso gabinete do Senado, Sibá aprendeu, mas não perdeu o costume de aproveitar-se das circunstâncias. Qual será o próximo emprego de Sibá?


Comentários

Uma resposta para “De cobrador a senador”

  1. Avatar de Antonio Ribeiro Maia Filho
    Antonio Ribeiro Maia Filho

    Cria da Marina Silva, um peso morto, bucha de canhão, inutilidade total. Pessoas assim, cheiram a farinha de longe! Entram num sindicato, numa associação de bairros e depois na política. Esses parasitas, tem aversão ao trabalho!

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