Que se passa com o meu São Paulo Futebol Clube velho de guerra, de tantas glórias e tradições? Sempre apontado como modelo de organização e profissionalismo no bagunçado futebol brasileiro, de uma hora para outra o clube do Morumbi revela a face negra de um inacreditável amadorismo ao lidar com a brilhante meninada da nova geração.
A cada dia, aparece mais um jogador das suas equipes de base entrando na Justiça para denunciar contratos de gaveta e pedir as contas para ir embora. O primeiro foi o meia Oscar, de 18 anos, chamado de “novo Kaká”, a grande revelação do São Paulo nos últimos anos, que Muricy já pretendia lançar no time principal no segundo semestre do ano passado, como me contou no final de 2008, na casa do Faustão, logo após a conquista do tricampeonato.
Depois, foi a vez do lateral Diogo, de 19 anos, e esta semana também Lucas Piazon, de apenas 16 anos, entrou na Justiça denunciando o São Paulo, que o teria obrigado a assinar um contrato de gaveta.
Quer dizer que havia uma rebelião no Centro de Formação de Atletas, a moderna e bem equipada fábrica de craques do Tricolor, em Cotia, e a diretoria só ficou sabendo quando oficiais de Justiça começaram a bater às portas do Morumbi? Como é que pode?
Só agora a diretoria descobriu que, além de Oscar, outros 21 jogadores da base estão nas mãos de um certo Giuliano Bertolucci, o empresário que está por trás desta debandada reinvidicada na Justiça por vários advogados.
“Esses empresários se aproveitam da expectativa acelerada que os jovens têm em relação à carreira para enfeitiçá-los”, constata candidamente o diretor de futebol João Paulo de Jesus Lopes, em declaração dada à Folha, depois que a porta foi arrombada, como se no futebol de hoje em dia o dinheiro não falasse mais alto, qualquer que seja a idade do jogador.
E os responsáveis pelo departamento de futebol amador (amador é modo de dizer, já que todos são profissionalizados por baixo do pano cada vez mais cedo) não sabiam que este aliciamento acontece faz tempo, sem que alguma providência fosse tomada? Só agora, que os insatisfeitos foram bater às portas da Justiça, a diretoria resolveu revisar os contratos dos jogadores da base.
Pode ser tarde demais. Ou o clube se arma de bons advogados para provar que não agiu de má-fé ao propor “contratos de eficácia futura” ou o São Paulo corre o sério risco de perder toda uma geração de jovens da melhor qualidade, como está mostrando mais uma vez nesta Copa São Paulo 2010.
Vi nesta terça-feira a belíssima vitória da meninada do São Paulo do técnico Sergio Bareze contra o Vitória, da Bahia, por 4 a 0, em Jaguariúna, jogando sempre no ataque, sem dar espaços para o adversário, desde o primeiro minuto de jogo.
Faz muito tempo que o time principal do Tricolor de Ricardo Gomes não apresenta futebol tão vistoso, com padrão tático definido e valores individuais que se destacam em todos os setores do campo. Em quatro jogos até aqui, o time marcou 19 gols e não sofreu nenhum.
A bola já foi cantada aqui mesmo no iG pelo meu velho colega Alberto Helena Júnior (cobrimos juntos a Copa do Mundo de 1974 na Alemanha): a safra deste ano tem craques como o volante Casemiro, eficiente na defesa e no apoio do ataque, que fez o primeiro gol contra o Vitória, e poderia tranquilamente já ser promovido para o time principal.
Não só ele. Tem também o atacante Lucas Gaúcho, artilheiro do campeonato com seis gols, e o meia Marcelinho, que joga o fino da bola, autor do gol mais bonito da Copa São Paulo até agora, numa jogada individual, depois de driblar vários adversários _ algo é cada vez mais raro de se ver no burocrático time de cima.
Mas o mesmo São Paulo que não tem olhos para ver o que acontece no CFA de Cotia prefere a cada começo de ano trazer mais jogadores em final de carreira do que abrir vagas para estes jovens que estão encantando a torcida na Copa São Paulo. O pior é que, quanto mais os coloca na vitrine, mais difícil vai ser driblar os empresários malvados que só pensam em dinheiro e segurá-los no Morumbi.
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