Um dia na vida de Zé Alencar, a unanimidade nacional

Atualizado às 8h50 de 28/01

Caros leitores,

viajo daqui a pouco para Belo Horizonte, onde vou participar do lançamento do projeto “Cumplicidade”, do meu amigo Bernardino Furtado, jornalista dos melhores, sobre a parceria no trabalho entre duplas de repórteres e fotógrafos, com o lançamento de um livro e a inauguração de uma exposição de fotos. Volto amanhã e conto para vocês como foi.

Abraços,

Ricardo Kotscho

Tinha um amigo dele no interior de Minas, que gostava de falar nas cerimônias e solenidades, mas raramente era chamado. Mineiro matreiro, o que além de rimar chega a ser quase uma redundância, certo dia sugeriu ao prefeito, que presidia a mesa: “Me chama para falar que eu vou falar bem de você”. Foi atendido.

Quem me conta a história, dando boas gargalhadas, é o empresário e político José Alencar Gomes da Silva, mais conhecido por “Zé Alencar, o vice de Lula”, certamente o único homem público brasileiro hoje que pode ser considerado uma unanimidade nacional – unanimidade a favor, claro, já que, unanimidade contra, tem um monte.

Ele se lembrou do folclórico personagem da política mineira durante nosso almoço na cantina Generali, um reduto da classe média paulistana, na rua Pamplona, que nem faz parte dos 555 melhores restaurantes paulistanos listados pelo anuário da Veja São Paulo, onde almoçamos na segunda-feira.

Zé Alencar tinha acabado de participar de duas cerimônias para comemorar o aniversário da cidade, a missa solene na Catedral da Sé e um evento na sede da prefeitura, em que o presidente Lula e o governador José Serra foram condecorados por Gilberto Kassab.

O vice não estava na lista de oradores, mas foi chamado a falar – sem ter pedido, esclarece, ao contrário do seu amigo mineiro da história. Mas falou bem do prefeito Kassab assim mesmo.

É difícil ouvir Zé Alencar falar mal de alguém. Quase chegando aos 80 anos, é um dos raros políticos capazes de rir de si próprio, não se levar tão a sério, nem se dar tanta importância, embora seja reverenciado, aplaudido e abraçado por onde passa, até na missa da catedral.

Na cantina lotada, toda hora vinha alguém pedir licença para lhe entregar um bilhete, dar um abraço ou apenas dizer que admira sua luta contra o câncer, que já o levou a 15 cirurgias, mas jamais o desanimou. “O Brasil precisa muito do senhor, estamos rezando pela sua saúde”, é a frase que mais ouve de pessoas de todas as classes sociais, onde quer que esteja.

E o vice não esconde a emoção cada vez que seu almoço, um belo prato de macarrão com frutos do mar, é interrompido para ler um bilhete escrito no guardanapo, demonstrações de carinho e solidariedade, que vai guardando no bolso do paletó.

Estava saindo para almoçar com a minha mulher para comemorar mais um título do meu São Paulo, quando ele me ligou perguntando se não queria tomar um “golo”, que é como os mineiros do interior chamam o aperitivo. Encontrei-o numa mesa no fundo da cantina, acompanhado só do seu inseparável assessor Adriano Silva (sua mulher, dona Mariza, tinha aproveitado as poucas horas em São Paulo, para ir a um shopping).

Sorriso largo, abraço forte, encontrar com ele é sempre uma alegria. Nem parece que o vice veio a São Paulo para mais uma sessão de quimioterapia e novos exames no Hospital Sírio-Libanes, que fez na manhã desta terça-feira .

É destes exames que depende sua decisão de disputar uma cadeira no senado por Minas Gerais, um plano antecipado aqui no Balaio, no dia do aniversário do presidente Lula, em outubro do ano passado.

Zé Alencar não tem pressa para decidir, jamais se mostra ansioso por nada. “Tudo tem seu tempo certo”, costuma ensinar, sem querer dar lições a ninguém. Adora contar causos da velha política mineira, mas, quando se trata dos rumos da política nacional, mais pergunta do que fala, prefere ouvir o que os outros acham.

Nestes seus bate-papos sem hora para acabar, raramente se refere às manchetes dos jornais ou à disputa política em Brasília. Emociona-se com muita facilidade, tanto ao falar da sua vida de menino, da mulher, dos filhos e dos netos – “em fevereiro nasce minha primeira bisneta!” -, como ao contar para minha mulher cenas de um filme que viu sobre a vida de Chopin.

Cantarola trechos de músicas de Nelson Cavaquinho, Noel Rosa e Chico Buarque para ilustrar o que quer dizer. Poderíamos agora estar num botequim carioca ou na bodega de seu pai, onde ele começou a trabalhar muito cedo, não faria a menor diferença.

Este meu amigo Zé Alencar é o que se pode chamar de bom papo, bom sujeito, bom amigo. Passar algumas horas com ele faz bem para a alma e renova nossas esperanças no ser humano. Tivesse alguns anos a menos e alguma saúde a mais, e certamente agora ninguém estaria discutindo quem será o possível sucessor de Lula.


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