Imagine comprar um livro cujo conteúdo se renovasse a cada semana. Uma publicação – isso mesmo, de tinta e papel – que nunca parasse de ser escrita. Um “livro vivo”. Essa foi a proposta e o apelido dado ao projeto Amor & Ódio. Desenvolvida por um coletivo de arte multimídia de São Paulo, a obra é coescrita diariamente por centenas de usuários da internet e atualizada a cada sete dias.
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O resultado é multimídia mesmo: mistura miniblogs, adesivos e câmeras de celular com as tradicionais páginas de papel. Tudo isso só é possível graças a uma tecnologia ainda pouco conhecida e que, ao contrário do que possa parecer, não é recente e nem complexa. Os chamados QR Codes foram criados por japoneses em 1994 e seu funcionamento é semelhante ao de um código de barras. No entanto, eles podem ser lidos por aparelhos bem mais comuns do que aqueles utilizados nos supermercados: basta focar a câmera de um celular no código (ver galeria ao lado), que automaticamente a tela é redirecionada para uma imagem, texto ou link criptografado.
Com base nessa tecnologia, o Coletivo de Amor e Ódio em Segundos (C.A.O.S.) criou o “livro vivo”, como uma ação para a agência DM9DDB. A publicação é inteiramente escrita em QR Codes e livre de direitos autorais. Cada uma de suas páginas remete a uma frase coletada na rede de miniblog Twitter e qualquer um pode participar, basta utilizar as palavras “amor” ou “ódio” em suas postagens pessoais. Nesse processo, porém, muitos internautas acabam inclusos acidentalmente e centenas de frases espontâneas, declarações carinhosas a amigos, protestos contra o preço da gasolina, reflexões sobre a vida e xingamentos a políticos acabam linkados às páginas do Amor & Ódio sem o conhecimento de seus autores.
Inspirado em seu título, o livro é visualmente dividido pelas emoções que traz codificadas. Do lado negro, 100 códigos remetem a momentos de ódio flagrados na internet. Enquanto que no lado inverso, o cor-de-rosa, outros 100 códigos transmitem instantes reais de amor. Assim como um site, os QR Codes podem mudar de conteúdo sem trocar o “endereço”. Isso permite que o leitor encontre frases diferentes a cada semana, mesmo que os códigos permaneçam iguais. “É o primeiro livro no mundo, impresso em papel, que se autoatualiza e nunca fica velho”, garante um dos integrantes do C.A.O.S., o designer Tiago Marcondes.
A novidade agradou tanto a brasileiros – que logo esgotaram a primeira edição do Amor & Ódio -, quanto a gringos. O projeto conquistou a medalha de bronze no London International Awards, realizado no final de 2009, e o coletivo também ficou em terceiro lugar na Croquette Awards, premiação de guerrilha de Portugal. “Apesar de não ser tão expressivo (quanto o London), é legal porque é um prêmio de marketing alternativo, então tinha tudo a ver com o projeto”, disse outro integrante do C.A.O.S., Bruno Tozzini.
O quê de “guerrilha” contido no livro está, principalmente, em uma ação urbana desenvolvida em São Paulo. Centenas de adesivos foram colados pelo Coletivo em postes e muros da capital paulista, contendo um QR Code e a mensagem: “Aqui tem um pouco de AMOR” ou “Aqui tem um pouco de ÓDIO”. A guerrilha ajudou a divulgar o trabalho e causou “estranhamento”.
Ainda assim, o que mais parece atrair a atenção de quem comenta o assunto é o precedente criado pelo “livro vivo” para publicações literárias, acadêmicas e mesmo jornalísticas. “As possibilidades são imensas: livros escolares que nunca envelhecem, literatura com notas de autores que se renovam, notícias em real time (tempo real) impressas numa revista ou jornal”, exemplificam os integrantes do C.A.O.S. “A ideia é continuar, experimentar mais e provocar mais”, comenta Philipe Bertrand, um dos criadores do livro. Enquanto os novos projetos não surgem, novos instantes de amor e ódio podem ser encontrados na internet e pelas ruas de São Paulo.
Vídeos sobre o livro no You Tube do C.A.O.S.
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