Babulina e Raulito como vieram ao mundo

Em termos de música, o Brasil também tem seus marcos, aqueles caras sobre os quais, nas palavras de Aracy de Almeida “não resta a menor dúvida”. Estão todos lá, no panteão dos que são, mesmo que não tenham suficientemente sido vitoriosos. De Tim Maia a Dalva de Oliveira, de Simonal a Nelson Gonçalves, Erasmão, Erasmão!, Ângela Maria, Melô, Macau, Walter Franco, Arnaldo Baptista, Lanny, Olmir Stocker (mago do jazz, compositor de Caderninho, do Tremendão). E muitos outros, a começar pela própria Aracy.
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A Universal acaba de lançar na virada do ano duas caixas imprescindíveis. Salve Jorge! , de Jorge Ben, com os 13 LPs de início de carreira e um CD duplo com raridades, e 10.000 anos à frente, trazendo os primeiros seis álbuns de Raul Seixas. O box de Jorge tem coordenação do pesquisador musical Rodrigo Faour e às notas originais das contracapas dos LPs foram acrescentados textos explicativos de Ana Maria Bahiana, para quem não sabe a maior jornalista de rock que este País já viu, devo muito a ela. Os discos de Raulito já haviam sido lançados há meia década e voltam reunidos.

Tenho 57 anos. A primeira vez que vi Jorge Ben foi no programa do Silveira Sampaio, pioneiro dos talk shows no começo dos anos 1960, em cuja produção um moleque vivaz chamado Jô Soares trabalhava. Foi uma revelação. Como Ana Maria escreveu, o disco foi lançado no ano de Garota de Ipanema e da Marcha da quarta-feira de cinzas. Isso para quem prestava atenção, pois as rádios ainda estavam na década anterior. Eu prestava e ouvir Ben ecoava o Ray Charles que ouvira em um compacto duplo só com músicas para mulheres (Georgia on My Mind, Ruby, Candy, Stella by Starlight). Era o soul, em português. Vindo do coração, do pâncreas, da Tijuca. Sérgio Mendes cheiraria logo esse negócio – como mais tarde cheirou Carlinhos Brown e enfiou um monte de composições em Brasileiro, disco que lhe rendeu um monte de Grammys, e Carlinhos era um desconhecido aqui. O fato é que Jorge trafegou com elegância pela bossa, pelo fino da bossa, pela jovem guarda, pela tropicália, pelos festivais. Quando o conheci nos fins dos anos 1980, estava mudando o nome para Benjor. Aí explodiria em termos “sangálicos”, levado a estádios pelas mãos do empresário Manoel Poladian. Jorge Ben nunca teve nada a ver com samba rock, essas coisas. Embora tenha sido, ao lado de Erasmão, nosso Chuck Berry.

A primeira vez que vi Raul Seixas foi cantando Let me Sing My Rock and Roll em um festival da Globo. Imberbe. De terninho, frenético como um Gene Vincent, herói dos anos 1950. Não prestei atenção ao que fez em seguida ao lado de Edy Star, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio, undergrounds totais, até que fui atropelado por Krigh-ha, bandolo! quando estava em Comunicações. O primeiro disco de Raulito juntava a breguice involuntária de Renato e Seus Blue Caps (o líder de rabo de cavalo desse grupo da jovem guarda disse que chegou ao ritmo porque sua guitarra Gianini não alcançava a riqueza de timbres das Rickenbacker e Grestch dos Beatles) ao pop politizado de Caetano e Gil, tudo coberto pelo misticismo de limusine pregado por John Lennon. Achei uma porcaria, as meninas deliravam naqueles selvagens anos 1970 com seu corpo magro encimado por uma boina de Che Guevara. Os caras matando no Araguaia e ele cantando rock com a boina do Che! Turrão, continuei odiando ainda mais ao saber que ele era um produtor de cantores bregas para uma multinacional e sócio de um publicitário. Não tinha entendido a loucura. Acabei sendo atropelado pela magnitude pura de Raul. Se você for a um sanatório para pacientes de alcoolismo ou drogas e jogar um violão no meio não vai sair Roberto Carlos. Sai ou Raul ou Renato Russo, em 100% das vezes. Ele é o princípio, o fim e o meio. Este é apenas o começo.


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