Drama no mar termina com 64 náufragos salvos chegando ao Rio

Tinha tudo para terminar em tragédia, como tantos naufrágios no mar. Mas, depois de três dias de muita tensão, o naufrágio do veleiro-escola canadense Concórdia, que afundou em meio a uma violenta tempestade na tarde da quinta-feira (18), a 300 milhas (cerca de 550 quilômetros) da costa do Rio de Janeiro, terminou com todos os 41 estudantes – de nove nacionalidades, com idades entre 16 e 21 anos – e os 23 tripulantes, incluindo o comandante William Curry, salvos e trazidos para a Base Naval do Rio de Janeiro pela fragata Constituição, da Marinha do Brasil, e pelos navios mercantes Hokuetsu Delight e Cristal Pioneer, no sábado (20).
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Como um naufrágio em alto mar, sob condições severas de tempo, e que poderia ser um roteiro de filme catástrofe ou um drama como o filme americano Tormenta, acabou terminando da melhor maneira, com todos salvos e em boas condições físicas, o que pode ser explicado graças a uma rara conjugação de fatores favoráveis.

Primeiro, a garotada à bordo, que tinha saído do Canadá no dia 9 de setembro para passar praticamente um ano navegando e estudando entre América do Norte, Europa, África, e América do Sul, estava muito bem adestrada no manejo de um veleiro de grande porte e, principalmente, nos procedimentos a adotar em caso de emergência. “Nós tínhamos treinado muito como agir. E, quando o navio começou a afundar, todo mundo correu para pegar coletes salva-vidas e em seguida fomos para as balsas, na base do instinto”, afirmou Katherine Irwin, de 16 anos.

O comandante Curry confirmou as informações de que o Concórdia enfrentou uma violenta tempestade em sua rota do Recife, em Pernambuco, para Montevidéu, no Uruguai. A tempestade, com ondas de pelo menos três metros de altura, foi criada pela conjugação entre uma frente fria vinda do sul (que provocou chuvas violentas em São Paulo e no Rio) e um sistema de alta pressão (a massa de ar frio que normalmente se segue a uma frente fria), transformou o oceano no pesadelo de todos os navegadores. Mas, de acordo com o comandante, o que acabou fazendo o Concórdia tombar de lado e depois afundar foi uma violenta rajada de ventos verticais, fenômeno que é muito difícil de se detectar e prever, mesmo com as fotos de satélite. O depoimento dos tripulantes e dos alunos, além de comprovar o alto grau de adestramento imposto pelo comandante Curry, destaca o heroísmo do contra mestre Geoff Byers no momento mais critico do naufrágio. “Quando o navio virou, o rádio caiu na água e foi flutuando para longe. Geoff nadou atrás, enfrentando ondas de três metros, recuperou o equipamento e o trouxe para um dos botes salva-vidas. Isso foi decisivo para que nos encontrassem no meio do mar”, comentou.

O sinal de emergência foi captado no Rio de Janeiro pela Marinha no final da tarde de quinta-feira. E entrou em ação o segundo fator positivo. O vice-almirante Gilberto Max, que comanda o 1º Distrito Naval e é o responsável pela segurança da enorme faixa de mar que vai do Rio até o Espírito Santo (onde estão, por exemplo a Bacia de Campos e boa parte dos campos de petróleo do pré-sal), determinou o início imediato de uma grande operação SAR (de busca e salvamento), envolvendo não apenas a Esquadra mas também aviões da FAB especializados em busca no alto mar. Um Bandeirante da FAB decolou rumo ao ponto de origem do sinal de socorro, a 300 milhas do litoral carioca, minutos depois do aviso. Um avião Hércules também foi acionado.

Mas, quase quatro horas depois, voando a 100 m de altura, em meio à chuva, foi o pequeno Bandeirante, pilotado pelos capitães Marcel Barros e Jorge Petrola, quem avistou uma luz de sinalização. Eles contam que já havia um navio mercante navegando na direção do sinal de socorro, mas ainda distante quase dez quilômetros do ponto correto, e lançaram um pára-quedas luminoso, indicando o local onde estavam as balsas com os náufragos, enfrentando o mar revolto. Ao mesmo tempo, o almirante Max determinou que a fragata Constituição zarpasse da Base Naval, na Baía da Guanabara, e navegasse rumo ao ponto onde estavam os sobreviventes. “A fragata estava com seu pessoal licenciado, mas em menos de cinco horas já estava navegando”, elogiou Max.

Comandada pelo capitão de fragata Marcos Sertã, a Constituição, que já havia participado do resgate de vítimas e do recolhimento dos destroços do Airbus da Air France, e da mega operação naval Unitas Gold (acompanhada pela Brasileiros – leia aqui) em 2009, navegou as 300 milhas em aproximadamente 15 horas, a uma velocidade de 20 nós, chegando ao local onde estavam dois navios mercantes que, atendendo ao pedido de socorro e orientados pela Marinha, já tinham recolhido todos os 64 tripulantes e estudantes do Concórdia.

O plano inicial era transferir todos para o navio de guerra brasileiro, liberando os mercantes para seguirem rumo a seus portos de destino (Paranaguá e Buenos Aires). Mas as condições de mar continuavam severas e, depois de vários voos de helicóptero entre os navios e a fragata, a operação foi suspensa com a chegada da noite. Onze estudantes (nove moças e dois rapazes), um membro da tripulação e o comandante Curry já estavam na Constituição e, depois de contatos por rádio com Sertã, o almirante Max determinou que os três navios rumassem para o Rio. “Não tinha sentido ficarem no mar toda a noite, esperando o dia seguinte para continuar as operações com o helicóptero”, afirmou ao site da Brasileiros Gilberto Max.

Mais veloz, a Constituição foi a primeira a chegar na Base Naval do Mocangue, na manhã do sábado. Os dois navios mercantes chegaram à tarde, com os sobreviventes sendo transportados para a Base Naval, onde passarão a noite de sábado para domingo. A Polícia Federal providenciou toda a atualização da documentação dos estudantes e tripulantes do Concórdia, que deverão retornar ao Canadá durante a próxima semana. O chanceler canadense Lawrence Cammon agradeceu ao governo brasileiro a eficiência demonstrada pela Marinha e pela FAB na localização e resgate dos náufragos.

Faltou citar outro fator do sucesso da operação. A sorte, que fez com que, por exemplo, o contramestre Byers recuperasse o rádio no meio das ondas. E que ninguém se ferisse durante os momentos em que o navio virou e depois afundou. De qualquer modo, o roteiro para mais um bom filme de ação, com dezenas de personagens capazes de cativar o público, já está à disposição de qualquer cineasta. Quem sabe, um canadense. Ou um brasileiro.


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