Em meados dos anos 1990, fui a Paris cobrir a reunião do Conselho de Diretores de uma instituição financeira brasileira. Lá estavam magnatas de grande e médio porte. Entre eles, o chamado “rei do alumínio da Rússia”, o ex-dono da empresa Olivetti, um membro da família Rothschield e dono de firma de investimenos privados, entre outros. Eram, aproximadamente, 15 figurões, e todos interessados em investir na China. Metralharam perguntas ao colega David Tang – chinês, dono das confecções Shanghai Tang, vários hotéis e da boite exclusivíssima “China Club”, em Hong Kong. O homem rapidamente jogou baldes de água fria nas intenções dos presentes. Alegou que existiam poucas vias de escoamento de produção, e que as estradas sequer ligavam o norte ao sul, o leste ao oeste no país da “Grande Marcha”.

Quando estive pela última vez em Pequim, contavam-se poucos automóveis nas ruas e as grandes avenidas eram tomadas por bicicletas. Os carros eram destinados aos donos do poder. Tentei alugar um Santana, mas fui impedido: ele estava destinado a um executivo americano. O único meio de transporte à minha disposição eram as próprias pernas. O funcionário da locadora – na verdade a agência estatal de turismo – consolou-me com a frase de inglês truncado: “Para que você quer carro? Para onde iria?”.

Passados alguns anos, a China se tornou uma das maiores consumidoras de automóveis e agora ameaça virar potência produtora. Eu sabia que a transformação havia sido rápida e impressionante, mas não tinha ideia das dimensões desse fenômeno, até ler um livro sensacional, recém-lançado aqui nos Estados Unidos. A obra chama-se Country Driving e relata as peripatéticas viagens do autor americano Peter Hessler. Ele foi correspondente da revista New Yorker, entre os anos 2000 e 2007, fala, lê e escreve com fluência em chinês mandarim.

Peter conta que a primeira rodovia expressa na China não havia sido totalmente asfaltada até 1988. Mas que dezenas de bilhões de dólares foram investidos em infraestrutura viária desde então, e que para o ano 2020 espera-se que o país ultrapasse os Estados Unidos em quilômetros de estradas pavimentadas. Com isso, apenas em 2003, meio milhão de residentes de Pequim tiraram carteira de motorista. E a onda não parou neste período, nem ficou restrita à capital. Isso, a despeito do custo para obter o privilégio de guiar um veículo: cerca de US$ 3000. É mais do que a renda anual média de um cidadão. No preço estão incluídos 54 dias de aulas obrigatórias.

O americano decidiu tirar carteira de habilitação chinesa em 2001. Para isso, teve de estudar um livro de regras e instruções que compõem meio milhar de quesitos do exame escrito. E ele dá exemplos das questões do teste, que transcrevo aqui:

“356) Caso você der carona para uma pessoa e, depois, descobrir que ela deixou algo em seu carro, seu dever é:
A) Pegar o pertence para você.
B) Retornar o pertence à pessoa ou ao seu local de trabalho.
C) Telefonar para a pessoa e perguntar quanto ele está disposto a pagar pelo retorno.

“344) Caso você veja um acidente e alguém necessite da sua ajuda, seu dever é:
A) Continuar dirigindo.
B) Parar, fazer o possível para ajudar e contatar a polícia.
C) Parar, verificar se a pessoa está oferecendo alguma recompensa, e só então ajudar.

“352) Caso outro motorista o pare e peça direções, você deve:
A) Não dar.
B) Responder paciente e corretamente.
C) Ensinar o caminho errado.

“247) Caso outro motorista, com boas intenções, o avise sobre algo, você deve:
A) Ter a mente aberta e ouvir atentamente.
B) Não dar ouvidos.
C) Ouvir e não dar importância.


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