“Eu não conhecia Ademar Casé”

Que somos um País sem memória, isso já sabemos. Mas o que contribui para que isso não mude? Muito se deve à qualidade e à diversidade da programação da televisão (canais abertos), que tem um alcance quase onisciente, onipresente e onipotente na vida das pessoas. Para verificar a qualidade e a diversidade, basta dar uma olhada na grade desses canais, para constatar do que estou falando. Quase ou nenhuma referência aos artistas e profissionais que ajudaram a construir a própria televisão nos primórdios. Nesse cenário, entra Ademar Casé, imigrante pernambucano, que foi tentar a vida e a sorte na antiga capital federal, Rio de Janeiro, nos anos 1920. De vendedor de sucesso de rádios Philips a idealizador do Programa Casé, primeiro programa comercial do rádio brasileiro, que descobriu artistas como Noel Rosa, passando pela televisão, que se iniciava, Ademar Casé foi um visionário e um Midas dos meios de comunicação, quase sem nenhum estudo. Essas e outras histórias são contadas no documentário Programa Casé – O que a Gente não Inventa, não Existe, que passa nesta terça-feira (13), com a presença do diretor, às 21h, no Espaço Unibanco de Cinema. O diretor falou com exclusividade para o site da Brasileiros, por telefone, em seu escritório, na produtora Pindorama Filmes, no Rio de Janeiro. Leia os trechos principais da entrevista.

Brasileiros – Como nasceu a ideia do documentário Programa Casé – O que a Gente não Inventa, não Existe?
Estevão Ciavatta – Na verdade, não nasceu. Eu fui escolhido por ele. O material sobre Ademar Casé veio por acaso para a produtora Pindorama Filmes. A família Casé deixou depositado tudo lá. Com o passar do tempo, fui dando uma olhadinha nesse material (fotos, matérias de jornal sobre Ademar, filmes em 16 mm, roteiros, etc.) e fui descobrindo a importância dele, no sentido de pioneirismo, do rádio e da televisão no Brasil. Confesso que eu era um ignorante em relação a importância do Ademar Casé para o rádio e a televisão, principalmente o rádio. Passei dez anos para realizar o projeto.

Brasileiros – Por que tanto tempo?
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E.C. – Primeiro, porque não tinha dinheiro. Escrevia o projeto do documentário em todos os editais públicos e não era escolhido. Até que ganhei uma grana do governo do Estado de Pernambuco. Tive de recuperar os filmes em 16 mm com dinheiro meu. Aí, o projeto foi sendo tocado na medida do possível. Nesse tempo, tive um acidente sério, por causa de uma queda de cavalo, que me deu mais força de concluir esse projeto. Foi aí que entrou grana de empresas e outros editais.

Brasileiros – Você tem uma formação de fotógrafo. Isso, de alguma forma, contribuiu para que você enveredasse para o cinema?
E.C. – Eu, que sempre trabalhei com a imagem estática, pressentia que faltava algo. E esse algo era trabalhar com a imagem em movimento. Daí, fui para o cinema, para o documentário, porque sentia uma necessidade de falar da realidade. Tem uma frase do cineasta Pier Paolo Pasolini, que muito me influenciou, que diz: “Falar da realidade através da realidade”. É isso que me instiga, que me move, que alimenta a minha necessidade profissional de cineasta.

Brasileiros – Seu documentário fala de um profissional que foi pioneiro nos meios de comunicação, principalmente o rádio. A história só era conhecida pela família e por quem viveu com ele, que infelizmente já morreu. Essa falta de preservar a memória, dos que fizeram a história do rádio e da televisão, muito se deve a quem trabalha hoje nesses meios de comunicação. A Regina Casé, que por sinal é neta do Ademar, é um bom exemplo. Programas como Brasil Legal e Muvuca (Estevão Ciavatta, inclusive dirigiu esses programas para a rede Globo), de certa forma, valorizavam um país que vive na ignorância, e se sente bacana por isso…
E.C. – O próprio Ademar Casé tinha pouquíssimo estudo e cultura e fez o que fez. Não estou fazendo aqui uma apologia à falta de estudo e de cultura. Estou querendo dizer que, mesmo sem isso, ele conseguiu fazer programas de qualidade e descobrir artistas talentosos. Não sou um cara preconceituoso. Gosto da comunhão das coisas, de tentar entender esse caldo de coisas que existe na nossa cultura. Claro que tenho severas críticas à qualidade da programação da televisão, do seu conteúdo. Acho que isso se deve muito a falta de estudo do nosso povo.

O cinema confessional de Alain Cavalier

O último filme do cineasta francês Alain Cavalier, que completará 80 anos em 2011, é puramente confessional. No documentário Irene, o cineasta fala da perda de sua primeira esposa, Irène Tunc, morta em um acidente de automóvel, no início dos anos 1970. O diretor, que também fez filmes ficcionais, já experimentou um pouco de tudo na sétima arte. Fez filmes comerciais, autorais e experimentais, mas sempre procurou cultivar o intimismo no tratamento de seus temas. Em seus documentários há uma evocação da memória, como uma maneira de juntar pedaços da vida espalhados pelo tempo, implacável na fragmentação do nosso “eu”. O festival faz uma retrospectiva de alguns dos documentários de Cavalier (A Senhora-Lavabo, A “Maitrê-Verrier”, A Fazedora de Colchões, A Optometrista, A Romancista, Esta Secretária Eletrônica não Grava Recados, O Encontro, O Homem-Cinema e Irene). Nesta terça, na Cinemateca Brasileira, serão exibidos cinco documentários do diretor, a partir das 20h. Na Reserva Cultural, serão exibidos Esta Secretária Eletrônica não Grava Recados (às 17h) e O Homem-Cinema (às 19h). Imperdível.

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