“Éramos seis, como na novela”, brinca a cantora, acordeonista, tecladista e compositora Adriana Sanchez, uma das fundadoras do grupo Barra da Saia, ao lado de Adriana Farias, uma autêntica violeira. Em 1998 as duas, mais a guitarrista Geórgia, a baixista Gigi, a baterista Alcione e a violinista Natália, resolveram ingressar no fechado e machista mundo da música regional, raiz, sertanejo. Ainda por cima pelo lado do rock, fazendo covers de astros de música country como Dire Straits, Garth Brooks e Shania Twain. No final do mês passado, o grupo, agora um quarteto trazendo as duas Adrianas mais Julia Lage no baixo e Fernanda Kostchak no violino, gravou ao vivo o segundo DVD de sua carreira, tendo como convidados as irmãs Galvão, Zeca Baleiro, Sérgio Reis, Os Favoritos da Catira, Amon Ra, da Família Lima, e Pepeu Gomes. Dos tempos de rock só restou “Não Tem Volta”, versão de “Piece Of My Heart”, pérola do repertório de Janis Joplin.

Em termos
O show de mais de uma hora e meia, que apresentam em todo o País, é puro country rock incrementado pelas guitarras de Bosco Fonseca, diretor musical desde o início, e Ricardo de André, além da mão pesada de Paulinho Barizon, na bateria. As Irmãs Galvão tiveram de suar para acompanhar o ritmo imprimido pelo Barra da Saia a “Beijinho Doce”, que foi sucesso de rádio na voz da dupla, fez parte do repertório do grupo desde sempre e voltou requentada na novela A Favorita. Nesses 11 anos o conjunto lançou dois CDs, Barra da Saia e Roça”n”Roll, que já venderam 80 mil cópias – o segundo foi indicado ao Grammy latino -, e um DVD-documentário. As meninas, tchutchucas autênticas, têm estúdio marcado para depois do carnaval, quando gravarão o terceiro CD, e poucos dias após a gravação do DVD no Villa Country partiram para mais uma turnê nacional – são mais de cem shows por ano e estão com agenda preenchida até dezembro de 2009. O curioso é que não são conhecidas em São Paulo.

Segundo Adriana Sanchez, o Barra da Saia começou enfrentando o machismo do meio. Era difícil impor-se como instrumentista, por exemplo, quanto mais como um grupo original. Filha de pai equatoriano, cresceu no ABC paulista ouvindo cúmbia, polca, vallenato, chamamé, ritmos latinos ao lado do mpb-rock do dia-a-dia. No início dos anos 1990 integrou o grupo Orquídeas do Brasil, de Itamar Assumpção, ao lado de Geórgia e Alcione, da primeira formação do Barra. Sua xará, apesar de ser do Ipiranga, São Paulo, cantava desde os sete anos em circo. E tocava viola caipira. Uma temeridade, poucas mulheres ousam isso. Julia era uma roqueira de garagem e tinha 17 anos quando entrou para o grupo, enquanto Fernanda se inspira na música celta, que chamam de música caipira da Irlanda. Foi um custo elaborar um som original. Em 1998 a violeira cantava com Leonardo enquanto a tecladista era backing de Roberta Miranda.
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E foi com Roberta que Adriana encontrou uma nova maneira de encarar a carreira. Quando passou a se apresentar para pessoas cuja única felicidade, o único momento de carinho, era assistir a um show, teve uma revelação. Percebeu que era daquilo que gostava. Tanto é que uma das exigências para se pertencer ao Barra da Saia era o desprendimento. Receber no camarim até o último fã. Dormir onde der e comer o que houver. Para descrever a situação dúbia em que vivem, Adriana conta que foi oferecer uma caixa de discos para uma livraria em São Paulo. O dono pediu que deixasse três CDs apenas. Adriana, que havia anunciado no site do grupo que o disco estaria disponível na loja, já imaginava o que iria acontecer. O tal dono pediu uma caixa de CD no mesmo dia e mais três na semana seguinte. Desconcertado perguntou, “menina, diz para mim, vocês são famosas?” O que responder?

Segundo Bosco, no ano passado eles desembarcaram em Cuiabá umas 20 vezes pelo menos. Desciam e iam pegar outro avião, um ônibus, uma van. Indo tocar longe, mas longe mesmo. E não são showzinhos. É coisa de 20 mil a cem mil pessoas por apresentação. Todo o mercado de shows na verdade está em cima dos rodeios, que é o esporte que mais dá dinheiro no Brasil, longe do futebol, além de festas populares, religiosas. Mercado que está aumentando. Eles receberam convite para gravar o DVD em Ariquemes, Rondônia. Público cativo, 80 mil pessoas. Mas como levar a aparelhagem, os convidados? Fez-se em São Paulo, onde quem não estoura na rádio não existe. Onde o Villa Country, um miniTexas de 12 mil metros quadrados situado entre o Parque Antártica e o Pacaembu, com vários espaços de shows e uma butique de cowboys – e cowgirls – consegue passar invisível para a maioria do público que consome música.

Nos shows pelo País o Barra da Saia leva equipe própria. Doze pessoas, três roadies, dois técnicos de som, mesa de som, luzes, cenário, guarda-roupa, cenário LED – painel colorido, sigla de diodo emissor de luz. Nada comparável à gravação do DVD. Foram 111 pessoas. Ao invés das dez luzes habituais, 120. Lasers, movie lights (HPL), LEDs (Talismã), mesa de som de R$ 800 mil, “tirada da caixa” (Vitória Som), equipe de filmagem, duas gruas, trilho, steady cam (Enis Gomes Produções), tudo gratuito. Todo esse material foi cedido em respeito aos 11anos do grupo e o fato de o DVD ser beneficente. O Barra da Saia queria fazer o show em comemoração aos 11 anos. O Hospital de Câncer de Barretos, que já tem uma tradição de investir em cultura, interessou-se por ele. E elas cederam 100%. Em troca, o hospital o colocará em todas as agências do correio e anunciará nas revistinhas da Avon. Bosco explica. As gravadoras hoje em dia esperam o produto pronto que distribuem e comercializam. Se o grupo quiser vender CDs ou DVDs próprios nos shows tem de comprar da gravadora. Melhor mesmo é comprar do hospital. O lucro é dele, que atende gratuitamente 2,5 mil pacientes por dia.

A única apresentação internacional do Barra da Saia foi feita este ano no Festival de Corrientes, Argentina, terra do chamamé. Elas foram chamadas por causa de “Mercedita”, música que Adriana interpreta há muito – está incluída no DVD. Foram aplaudidas de pé pelas 20 mil pessoas presentes.

Não é à toa que Pepeu gritava no camarim do Villa Country, “eu sou sertanejo!” E eu, que nunca tinha ouvido falar do Barra da Saia?


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