O recente e inédito encontro do presidente Raúl Castro com o cardeal Jaime Ortega, arcebispo de Havana, reacendeu as esperanças para os presos políticos cubanos e seus familiares. Em cinco horas de reunião, na semana retrasada, os dois estabeleceram as bases para a Igreja Católica intermediar a transferência dos presos de consciência – os que não cometeram crimes comuns com o emprego de violência – para presídios próximos às suas famílias.
Fontes do primeiro escalão do governo cubano já admitem que, até o final deste ano, podem ser libertados os 52 dissidentes que ainda restam detidos, de um total de 75 que foi preso em março de 2003, muitos deles condenados a até 28 anos de cadeia.
O primeiro passo foi dado esta semana. Ariel Sigler Amaya, condenado a 20 anos de prisão, foi libertado e já se encontra na casa da família, em Matanzas, a 100 quilômetros da capital. Paraplégico e com graves problemas de saúde, ele estava internado no Hospital Julito Diaz, em Havana.
Após o encontro de Raúl com Ortega, outros seis presos já foram transferidos para locais próximos às suas residências: Hector Gutierrez, Juan Adolfo Sainz, Omar Hernández, Efrén Fernández, Jesus Mustafá Felipe e Juan Carlos Acosta. Do grupo inicial de 75, 21 já haviam sido libertados por “licença judicial” e um por ter cumprido a pena.
Foi neste clima de diálogo e distensão que, na segunda-feira, chegou a Cuba o arcebispo Dominique Mamberti, secretário do Vaticano, para presidir a Semana Social Católica, que vai até o dia 20. Espera-se que no encontro marcado entre o arcebispo e o chanceler cubano Bruno Rodriguez também seja tratada a questão dos presos políticos, em que a Igreja Católica volta a exercer um importante papel.
A história das relações entre o governo cubano e a Igreja Católica é feita de muitas idas e vindas, encontros e desencontros ao longo destes últimos 30 anos, quando os dois lados voltaram a se falar, o que não acontecia desde 1964. Na minha primeira viagem a Cuba, em 1980, testemunhei o encontro em que Fidel Castro pediu a Frei Betto para ajudá-lo a retomar o diálogo com a Igreja Católica cubana.
O frade dominicano condicionou a aceitação do convite à aprovação dos bispos cubanos. No ano seguinte, a Conferência Episcopal de Cuba aprovou a intermediação de Frei Betto e ele passou a ir a Havana de três a quatro vezes por ano em função desse trabalho.
O que contribuiu bastante para melhorar as relações entre o governo e o arcebispado cubano foi a longa entrevista concedida por Fidel a Frei Betto, em 1985, que resultou no livro “Fidel e a Religião”. O livro já vendeu 1,3 milhão de exemplares em Cuba, um recorde na história do país.
Em consequência das declarações de Fidel sobre religião, bem recebidas pelos bispos, iniciou-se um processo de abertura em relação à Igreja Católica, com duas mudanças institucionais importantes: na Constituição do país, que tirou seu caráter ateísta e declarou o país laico, e nos estatutos do Partido Comunista, que também deixou de ser ateu e passou a ser laico, aceitando cristãos e comunistas com fé religiosa em suas fileiras.
Esta caminhada conjunta seria interrompida em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Convencidos de que o efeito dominó logo chegaria a Cuba, os bispos dispensaram a intermediação de Frei Betto e romperam o diálogo com o governo.
O frade dominicano, porém, continuou nas suas visitas a Havana e, em 1998, foi convidado por Fidel, junto com mais quatro teólogos, entre eles, Leonardo Boff, a assessorá-lo durante a visita do Papa João Paulo 2º ao país. Foi a pedido do Papa que um grupo de presos seria libertado após a visita e dezenas emigraram para outros países, que lhes concederam vistos, desde que não tivessem cometido crimes de sangue.
Este episódio foi destacado em entrevista concedida recentemente pelo cardeal Jaime Ortega à revista Palabra Nueva. Anos antes da visita de João Paulo 2º , lembrou o arcebispo de Havana, outro grupo de presos cubanos havia sido libertado graças à intervenção da Igreja Católica:
“Com a participação da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, na década dos 80, saiu do cárcere um bom grupo de presos, que, junto com seus familiares mais próximos, partiram para os Estados Unidos. Considerados todos juntos, prisioneiros e familiares, foram mais de mil os que, em vários vôos custeados pelos bispos norte-americanos, sairam de Cuba”.
No final de sua entrevista, o cardeal faz um apelo ao entendimento: “Em suma, neste tempo difícil, a Igreja de Cuba pede a oração e a ação de todos os que crêem para que o amor, a reconciliação e o perdão abram espaço entre todos os cubanos daqui e de outras latitudes”.
O diálogo entre bispos e autoridades do governo já havia sido retomado em 2008, mas foi só no início de junho agora que Raúl Castro e Jaime Ortega se encontraram pela primeira vez para acertar os ponteiros, sem intermediários. Há boas razões e esperanças de que, desta vez, venham da ilha boas notícias sobre o futuro dos presos políticos. Já não era sem tempo.
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