Um dos não-assuntos recorrentes da atual campanha eleitoral é a questão do “controle social da imprensa”. A ameaça está todo dia nos jornais, nas revistas, nas colunas e blogs da internet, recheada com declarações de líderes da oposição, uma tabelinha que não comove os eleitores, mas rende pauta para atacar o governo.
Parece até que há um batalhão de censores à espreita, prontos a invadir as redações a qualquer momento, como aconteceu no fatídico dia 13 de dezembro de 1968 em que foi anunciado o Ato Institucional Nº5, e o Brasil entrou nas profundezas da ditadura.
Imagino alguns jornalistas já dormindo debaixo da cama com medo da chegada do bicho-papão, que a maioria deles nem conheceu, mas eu vi de perto, porque estava na redação do Estadão naquela noite do dia 13 em que os militares chegaram, ao vivo e em cores, para dar as ordens que deram início ao longo período de censura à imprensa.
A ameaça agora soa absurda já que o país vive o mais longo período de liberdades públicas da nossa história recente, em pleno Estado de Direito, com as instituições funcionando, ao contrário do que vivemos naquela época. Ironia do destino: veículos e jornalistas, que agora se arvoram em arautos da liberdade, apoiaram de bom grado aquele golpe militar de 1964, até que o AI-5 se virou contra eles também.
A imprensa hoje tem liberdade absoluta para fazer o que bem quer, sem qualquer tipo de regulação ou limites. Pode esculhambar diariamente o presidente e demais autoridades da República, assassinar reputações, publicar o que lhe dá na telha. Para provar, basta ligar o rádio, entrar na internet ou folhear qualquer uma das publicações que estão nas bancas.
É verdade que alguns setores minoritários do PT alimentam esta paranóia de “controle social da imprensa”, com documentos que se repetem desde tempos imemoriais e sempre reaparecem em épocas de campanha eleitoral para assustar a tigrada e prejudicar os candidatos do próprio partido. Citado sempre nas matérias que acenam com o perigo da censura rondando as redações, como um dos mentores do tal controle, o ministro Franklin Martins até acha graça.
“Esse negócio de controle social da imprensa é uma grande bobagem, até porque é impraticável, isso não existe”, disse-me ele numa conversa que tivemos outro dia em Brasília.
Mas não adianta. Quanto mais o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff fazem reiteradas declarações de absoluto respeito à liberdade de expressão no país, mais as entidades patronais da comunicação e seus escribas amestrados acenam com o perigo iminente da volta à censura.
Não existe nenhum fato concreto, nenhuma medida ou ação do governo, nada que justifique o barulho que se faz sobre o assunto. Com uma capa de assustar criancinhas, a edição da revista Veja que está nas bancas repete o mesmo bordão de outras campanhas eleitorais. Desta vez, “O Monstro do Radicalismo” é o tema de um imenso editorial apresentado em forma de reportagem, sem nenhuma informação nova ou declaração que justifique a tese sobre “a fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma”.
Até a simples discussão sobre a obrigatoriedade ou não do diploma de jornalismo, um debate que atravessa décadas, serve como argumento para dizer que a liberdade de imprensa corre perigo. Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, em votação simbólica, a volta da obrigatoriedade, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. E daí?
Como jornalista não-diplomado, pergunto que diferença isto vai fazer na minha vida, no trabalho da imprensa ou nos destinos do país? Em mais de 45 anos atuando nas principais empresas de comunicação, jamais me pediram um diploma para poder trabalhar.
No documento que enviaram no mesmo dia ao ministro Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, em resposta ao seu pedido para que as empresas de comunicação fizessem uma projeção sobre o setor em 2022, as entidades representativas (Abert, ANJ e Aner) defenderam que “a liberdade de pensar e externar opiniões e informações, sem controle de quem quer que seja, é da própria essência da democracia”.
Até aí estamos todos de acordo. O problema é que estas mesmas entidades não admitem sequer discutir qualquer marco regulatório para o setor, nem mesmo o direito de resposta, para que a sociedade possa se defender dos eventuais abusos da mesma imprensa.
Estou de acordo também quando as entidades defendem que o poder público combata a impunidade dos crimes contra jornalistas. Mas sou contrário igualmente à impunidade dos jornalistas que cometem crimes contra cidadãos, entidades e instituições que não têm um veículo para defendê-los e ficam nas mãos de uma Justiça corporativa e lenta.
As entidades representativas dos veículos afirmam em seu documento: “Esperamos que floresça, nos próximos anos, uma exuberante cultura de autorregulação nos meios de comunicação brasileiros”. Ótimo. Por que não fizeram isso até agora?
Já perguntei em debates promovidos por estas entidades, por que as empresas, já que não admitem que a sociedade sequer discuta o seu setor, não tomam a iniciativa de estabelecer de comum acordo regras básicas para o exercício da atividade, como já foi feito há 30 anos na área de propaganda, com a criação do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, que funciona muito bem?
Num destes debates, comecei dizendo que, ao se discutir liberdade de imprensa, é preciso perguntar antes: liberdade de imprensa para quem? Só para quem imprime ou também para quem lê? Os direitos da imprensa de escrever o que quer não podem ficar acima dos direitos da sociedade de ser bem informada e respeitada nos seus direitos.
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