Nascido em Petrópolis, no Rio de Janeiro, há exatos cem anos, o maestro, arranjador, compositor e musicólogo César Guerra-Peixe, mesmo anônimo para a maioria dos brasileiros, foi um dos gigantes de nossa música erudita e popular no século 20.
Aos 6 anos, incentivado pelo pai, o pequeno César já arriscava os primeiros acordes ao violão. Aos 9, deu início aos estudos musicais com o professor Paulo Carneiro. Seis anos mais tarde, tornou-se professor assistente na Escola de Música Santa Cecília, em sua cidade natal. Naquele mesmo ano, 1929, dedicou-se aos estudos de violino, com o professor tcheco Gao Omacht. Apesar de ter se tornado exímio em vários outros, o instrumento foi sua grande paixão.
Em 1934, Guerra-Peixe mudou-se para o Rio de Janeiro. Sete anos mais tarde, acumulando cursos esporádicos, tornou-se o primeiro aluno a concluir a formação de compositor no Conservatório Brasileiro de Música. Inquieto, e atento às vanguardas da música clássica, decidiu ingressar no curso particular do maestro H.J. Koellreutter (leia perfil publicado na Brasileiros) para aprofundar os conhecimentos de uma revolução em curso, o dodecafonismo da chamada Escola de Viena. Com Koellreutter – professor de outros dois grandes maestros brasileiros, o pernambucano Moacir Santos e Tom Jobim – Guerra-Peixe desvendou os mistérios da música atonal, mas, em uma guinada radical, ele logo abriria mão dos preceitos de vanguarda para mergulhar profundamente em nossas tradições musicais – ironicamente, repudiando o dodecafonismo e fazendo frente de oposição a Koellreutter e seus pares, como o alemão Ernst Widmer que, à época, também vivia no Brasil. Guerra-Peixe estava agora movido pelos nortes investigativos de Heitor Villa-Lobos e Mario de Andrade.
Mas longe de ser um nacionalista ortodoxo e opositor irascível, como foi o maestro Camargo Guarnieri, que chegou a publicar manifestos contrários a suposta ameaça dodecafonista, ele foi homem sereno. Valorizou a cultura brasileira, mas não deixou de privilegiar procedimentos antropofágicos, como o hibridismo promovido pela Bossa Nova, que se apropriou de maneirismos do cool jazz, como o canto sussurrado de Chet Baker, para dar novas possibilidades ao samba. Sobre o novo gênero, afirmou: “A Bossa Nova é um inseticida sonoro na aspereza batuqueira e na castração bolerosa” – em clara referência ao que considerava uma estagnação harmônica do samba, que havia décadas não tinha grandes renovações estruturais, e à herança dramática do bolero, que exercia grande influencia para as interpretações excessivamente dramáticas de muitos cantores e cantoras brasileiros do período.
Prova inconteste de que seu discurso não era um mero exercício de retórica está registrada no clássico Os Afro-Sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell, álbum lançado pelo selo Forma, em 1966, que traz belíssimos arranjos de sua autoria (ouça a íntegra do disco).
César Guerra-Peixe morreu, aos 79 anos, vitimado por um edema pulmonar, em sua cidade natal.
Deixou um legado impressionante e marcas indeléveis na cultura brasileira do século 20.
Acesse o portal do Projeto Guerra-Peixe e saiba mais sobre a vida e a obra do maestro.
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