Brincando com coisa séria

Negro, branco, alto, baixo, magro, gordo… No mundo virtual, todos são iguais. Talvez essa magia tenha contribuído para o sucesso dos jogos eletrônicos que, hoje, têm fãs praticamente religiosos espalhados pelo mundo inteiro.

Mas nem tudo é perfeito. Quando se volta para a realidade, nem todos são convidados para jogar. Os altos preços dos games, principalmente no Brasil, fazem da diversão um hobby para poucos. Além disso, estimulam a pirataria e a entrada de jogos importados clandestinamente, sem que isso gere nenhum retorno para o País, o que é chamado de mercado cinza.Mas por que um jogo que nos Estados Unidos é vendido por US$ 50 (aproximadamente R$ 90) sai por volta de R$ 250 no Brasil? Esse contraste absurdo se dá por conta da elevadíssima carga tributária em cima do produto no País. Enquanto no EUA a taxa varia entre 5% a 7%, aqui o índice gira em torno dos 80%! Não à toa os americanos são os líderes nesse setor, representando aproximadamente 40% do mercado mundial de games.Moacyr Alves Júnior, colecionador e aficionado por jogos eletrônicos, era um dos tantos brasileiros indignados com o preço abusivo dos games. Mas, com uma visão mais ampla do processo, ele percebeu que não eram apenas os consumidores que saíam lesados. Tanto lojas quanto indústrias também poderiam se beneficiar em caso de uma eventual diminuição na carga tributária e, consequentemente, no valor final dos games.Há aproximadamente quatro anos, Moacyr começou a arquitetar o projeto Jogo Justo, que visa baixar consideravelmente os impostos de jogos, dos atuais 80% para 15%. Estudando, ele descobriu que algo semelhante aconteceu no México, país que hoje é o líder do mercado na América Latina.

“Lá também tinha muita pirataria, inclusive até mais que no Brasil. Mas quando o governo decidiu reduzir os impostos em jogos eletrônicos, o mercado local explodiu”, conta. Hoje, o México representa 2% do mercado mundial de games e as vendas por lá aumentaram em até oito vezes após a aprovação do projeto. Já o Brasil, um país maior e com uma economia mais desenvolvida, contribui com uma fatia de apenas 0,5% do mercado mundial.Com a ideia redonda, Moacyr começou a campanha em busca de divulgação e parcerias que viabilizassem o projeto. As adesões vieram rapidamente. Marcos Khalil, diretor da UZ Games, uma das mais importantes lojas do segmento no país, recebeu o projeto de braços abertos. “A diminuição dos impostos vai beneficiar a todos, de ponta a ponta. Desenvolvedor, fabricante, distribuidor, vendedor, consumidor final. O projeto está viabilizando o que todos que trabalham sério e legalmente no Brasil querem para o País”, afirma.Khalil se lembrou da iniciativa realizada pela gigante Konami, no início de 2010. A empresa resolveu fazer uma promoção na América Latina que reduziria o preço final do Pro Evolution Soccer 2010, o famoso Winning Eleven. Normalmente, um lançamento sai por, no mínimo, R$ 250 no Brasil. O jogo foi vendido por R$ 99 para os consoles Xbox 360, Play Station 3 e Wii, e por R$ 59 para o Play Station 2. O resultado foi imediato. Mais de 600 mil cópias foram vendidas em toda América Latina e o Brasil representou 42% desse número. Sucesso absoluto.

Outro exemplo claro do forte mercado potencial que representa o Brasil foi o recente lançamento do aguardado Starcraft II: Wings of Liberty, para PC. O jogo chegou ao País ao preço de R$ 49,90. Seis meses após a compra, se quiser continuar com o modo online multiplayer, ou seja, a opção de jogar na rede com outros usuários reais, o consumidor terá que pagar uma taxa mensal de R$ 10 ou R$ 69, para ter o game para sempre. Em apenas 24 horas, foram vendidas 4.500 cópias, fazendo do Starcraft II o jogo de estratégia mais vendido em sua primeira semana, além de ser o jogo mais vendido em apenas um dia no Brasil.Thiago Simões, jornalista e blogueiro especializado em games, é outro que conhece, apoia e participa ativamente do Jogo Justo desde seu princípio. Simões é o responsável pelo blog Garagem dos Games que, como o nome já diz, é totalmente dedicado a análise e debate de jogos eletrônicos. Simões também foi enfático quanto à diminuição imediata dos preços dos jogos no País: “É inviável um jogo no Brasil custar R$ 250, enquanto o salário mínimo é de, aproximadamente, R$ 500.”Com os altos preços, a pirataria se torna a alternativa mais confortável. Claro que seria utópico imaginar que, mesmo com a aprovação do projeto Jogo Justo, a venda de produtos piratas acabará. “Acabar, não vamos, mas dar uma grande paulada nela isso vamos com certeza!”, diz Moacyr. Thiago Simões analisa a pirataria como um fator antropológico e cultural. Para ele, o que ainda impera em parte dos brasileiros é a Lei de Gérson, a de querer sempre levar vantagem em tudo.

Porém, é consenso entre os dois que o grande inimigo de nosso mercado é o chamado mercado cinza. São os produtos importados e originais que entram no país e, portanto, sem taxação. Ambos acreditam que se a carga tributária realmente cair para os 15% sugeridos, o que significaria preços em torno dos R$ 100, esse consumidor não mais compraria o jogo no exterior. Conclusão: os impostos ficariam no Brasil.Mas, para se levar o projeto adiante, era preciso o apoio de um deputado, caso contrário todo o esforço poderia ter sido em vão. Moacyr Alves Júnior sabia que isso não seria uma tarefa fácil. “Alguns acham que videogame é apenas uma brincadeira de criança. Na opinião deles, um projeto como esse favoreceria apenas uma meia dúzia de pessoas, coisa que não compensaria. Algumas pessoas não fazem ideia da monstruosidade do que é isso aqui no País”.Por intermédio de uma amiga, o idealizador do Jogo Justo foi apresentado a Luiz Carlos Busato, deputado federal pelo PTB do Rio Grande do Sul. Busato também viu a oportunidade de aquecer um mercado ainda pouco explorado no País, e reforçou o comprometimento da iniciativa, apesar de admitir que seus tempos de videogame morreram junto com o Atari. O deputado ainda fez um apelo popular para que o governo se sensibilizasse pela causa. “Assim poderemos conseguir a redução da carga tributária, a diminuição da pirataria, podendo desenvolver jogos no Brasil, ter a geração de novos empregos e tantos outros benefícios a serem conquistados”, diz o deputado.

Os apoios não param por aí. São desde pequenos blogs pessoais até grandes produtoras mundiais, como a Eletronic Arts e a Konami, passando até por varejistas, como o Walmart e o Ponto Frio. Procuradas pela reportagem, as lojas não opinaram sobre o apoio ao Jogo Justo. Segundo Moacyr, hoje ele conta com 147 parcerias e existem mais dezenas pendentes, tudo para que o Jogo Justo ganhe a força e representatividade necessária para a aprovação.Graças a essas parcerias, em novembro acontecerá o dia sem imposto. Em data a ser escolhida, os desenvolvedores, distribuidores e lojas envolvidas no Jogo Justo venderão determinados games sem nenhum encargo tributário. Os jogos que farão parte do aguardado evento e o dia exato serão anunciados no site do Jogo Justo em breve.A luta está perto de um desfecho feliz. Em novembro, a equipe do Jogo Justo se reunirá com Otacílio Cartaxo, diretor da Receita Federal, em Brasília. No encontro, eles esperam provar, com números, que o projeto será vantajoso para todos. Em caso de resposta positiva, os reajustes nas cargas tributárias sobre games já podem ser feitos a partir de 2011.

Depois disso, é consenso entre os entendidos que, com o bom crescimento da economia brasileira, o País começará a fazer parte do grupo dos grandes consumidores mundiais de games, fato que poderá trazer ainda mais benefícios. “A minha intenção maior era essa. Eu quero justamente fazer um mercado forte, para que as grandes empresas venham pra cá e a gente possa trabalhar e aprender com elas e, assim, formar o nosso próprio mercado”, acrescenta Moacyr. “Acredito que com o jogo justo funcionando, não dou 1 ano para que o Brasil se torne o 3º colocado mundial de games. Estamos em ascensão! O mundo inteiro em crise e o Brasil já passou dessa fase. O momento é agora!” finaliza ele entusiasmado.Complementando o pensamento, Thiago Simões também diz que existem milhares de brasileiros muito qualificados e conceituados trabalhando como desenvolvedores de games, mas o inexistente mercado no Brasil obriga essa mão de obra a migrar para os grandes pólos produtores, como os EUA.Agora é aguardar a reunião em novembro e torcer para que o Jogo Justo consiga fazer justiça para os gamers brasileiros.LEIA MAIS:
Entrevista com Moacyr Alves Júnior


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