Os brasileiros, em geral, não conhecem nada sobre o Brasil e suas origens. A partir dessa constatação, o escritor Alberto Mussa dedicou-se a um longo período de pesquisa para escrever Meu destino é ser onça. Em seu novo livro, ele mistura ensaio e ficção para recriar o mito tupinambá e, em seguida, estudá-lo à luz de escritos legados por cronistas da época do “descobrimento” do Brasil, como Padre Manuel da Nóbrega, Gabriel Soares de Sousa, entre outros, mas, principalmente, pelo frade francês André Thevet, que esteve no Brasil no século XVI. A obra é um verdadeiro documento sobre a história do Brasil. Detentor de uma obra peculiar, Mussa sempre foi influenciado por culturas mais antigas, como a árabe e a africana. Ambas estão presentes em seus outros livros como Elegbara, composto por narrativas que se passam entre os séculos XVI e XX e que dialogam com as histórias do Brasil, de Portugal e da África; O trono da rainha Jinga, trama policial que acontece no Rio de Janeiro do século XVII; e O enigma de Qaf, romance que tem como inspiração os mitos, a história e a cultura do povo árabe. Na entrevista ao lado, realizada via e-mail, o autor fala sobre sua obra, influências literárias e, claro, sobre Meu destino é ser onça.
Foto: Cristina Lacerda |
INFLUÊNCIAS Mussa sempre usou elementos de culturas antigas, como a árabe e a africana, em suas obras |
Brasileiros – “Há 15 mil anos somos brasileiros; e não sabemos nada do Brasil”, é uma das frases mais marcantes em Meu destino é ser onça. Há poucos estudos sobre a história dos índios?
ALBERTO MUSSA – Temos a sensação de que não há vínculo histórico entre nós e os índios que habitavam nosso território desde antes da última glaciação. Só que as pesquisas genéticas mostram que praticamente todos os brasileiros têm antepassados indígenas. Está no nosso DNA. Eu fiz inclusive um exame genético para verificar isso. Nós somos herdeiros biológicos e históricos dessas culturas antigas. Mas, como somos uma sociedade fortemente racista, preferimos conhecer a história do “Ocidente” a nos debruçar sobre nós mesmos. Como dizia Nelson Rodrigues, é o nosso complexo de vira-lata.
Brasileiros – Em seu novo livro,você se inspirou em obras de ficção que têm índios como protagonistas?
A.M. – Não, estava interessado nos mitos relatados pelos próprios índios. O Guarani, do Alencar, por exemplo, tem muitos méritos, mas peca pela falta de conhecimento do assunto (inclusive chamando de guarani um índio que devia ser, na verdade, tupinambá). Já Macunaíma, de Mário de Andrade, é para mim um livro horroroso, inundado de racismo e daquela visão estereotipada e infantilizadora da cultura popular.
Brasileiros – Em suas obras, você retrata épocas e lugares incomuns. Quais foram suas influências literárias?
A. M. – Acho que a escolha desses temas tem mais a ver com a minha personalidade do que com um projeto específico e consciente. Desde muito novo me interessei por mitologia, por povos antigos, por civilizações do passado. Meu pai e meu avô tinham grandes bibliotecas e eu li desde sempre não só clássicos da literatura como também obras sobre o Egito, os astecas, os mitos gregos, etc. Na Faculdade de Letras da UFRJ me interessei por línguas africanas e indígenas, e depois estudei árabe. Minha literatura reflete isso.
Brasileiros – Você lê a literatura contemporânea brasileira?
A. M. – A literatura brasileira é uma das grandes literaturas do mundo, embora pouca gente admita isso, por um certo complexo de vira-lata, que ainda persiste. Não gosto só dos livros que têm a ver comigo. Mas não me sinto ligado a nenhuma geração, aliás, não gosto dessa coisa de movimento literário.
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