Teoricamente, é possível aprender qualquer coisa, desde pilotar um foguete a fazer fogo com gravetos. Na prática, sempre ela, a coisa muda de figura.
Com a escrita ficcional talvez seja pior. O que torna um escritor um bom (digamos um excelente, porque o bom é atingível) escritor nem sempre tem explicação. Há algo na atividade literária que paradoxalmente ronda o inefável.
Margaret Atwood sugere que se faça um bom alongamento para as costas. É um ótimo começo. Kurt Vonnegut é enfático: tenha coragem para cortar (em tempos de literatura do umbigo, essa pode ser difícil). E Nabokov dizia que o grande escritor é um sedutor, um encantador de leitores. Numa linha semelhante, mas de sinal invertido, Anne Lamott (citada por Tom Bissel) sugere que o ideal é o escritor primeiro hipnotizar a si mesmo de modo a ter confiança no que está fazendo e depois que uma boa parte foi escrita, desipnotizar-se para rever o material friamente.
Walter Benjamin, um herói pra muitos (inclusive para este que ora escreve), fez uma irresistível lista com treze itens fundamentais para o aspirante a escalar os cumes da literatura sem cair ou ficar com vertigens.
Bem resumida e simplificada, é a que segue:
1 – Permita-se tudo
2 – Não busque gratificação antes de terminar
3 – Garanta que a mediocridade do cotidiano não atrapalhe seu trabalho
4 – Tenha sempre à mão recursos simples e suficientes: lápis, caneta e, hoje, um computador
5 – Mantenha um caderno de notas
6 – Deixe que a escrita atraia a inspiração e não o contrário
7 – Nunca pare de escrever, mesmo se estiver sem ideias
8 – o trabalho final é a máscara mortuária da concepção inicial
Acabei suprimindo outras dicas, pois são anacrônicas.
E já que falamos em máscara mortuária, Norman Mailer sempre sintonizado no macho mode, deu seu conselho como um sargento que grita para o pobre e assustado soldado raso: “se você não é capaz de fazer seu personagem atravessar uma sala, você está morto”.
Contra a intransigência do genial Mailer, resta-nos buscar a sabedoria feminina. Num ótimo ensaio, tirado de uma conferência que deu para os estudantes de escrita criativa na Columbia University em Nova York, Zadie Smith aferrou-se ao mágico número dez para dar suas sugestões – ou melhor, reflexões:
Primeiro, dividiu os escritores em dois tipos: aqueles que planejam tudo antes e são capazes de começar a escrever pelo meio do livro, e aqueles que não planejam nada e deixam-se levar pela história do começo ao fim. É o caso dela.
Smith declarou buscar em outros autores a fonte para ideias e inspiração, sem medo de ser feliz. Depois sugeriu que cada autor pode ser um remédio para suas dificuldades. Por exemplo: se está preocupado com a “gordura” de suas frases, com o excesso de adornos, referências e barroquismos, troque seu David Foster Wallace por um Kafka. Se se sente muito preso à forma, perdendo tempo com aliterações e musicalidades internas, ponha de lado o Nabokov e tire da estante o Dostoiévski, “o santo patrono do conteúdo acima do estilo”.
Há um estado de espírito que ela chama de “meio do romance”, que não é necessariamente o meio geográfico do romance, que é essencial a ser atingido. Em miúdos, é quando a coisa engata e a escrita flui que é uma beleza. É também quando tudo ao seu redor parece se encaixar no romance: uma notícia, uma conversa no ônibus etc. Sua vida VIRA o romance.
Em seguida, é preciso começar a tirar a estrutura que permite que o prédio do romance seja construído. Mais importante: volte para s primeiras vinte páginas, as mais difíceis, quando você parece não confiar no leitor o suficiente e enfia as informações como “sardinhas numa lata” e “abra essa lata pra deixar o texto respirar”.
Quando acabar o romance, encha a cara. Você merece. Mas antes, ANTES, diz ela, com todas as letras, você deve colocar as provas numa gaveta e deixá-las ali o máximo de tempo que resistir. É preciso distanciamento. “O segredo é simples: você precisa se tornar o leitor de sua obra e não o escritor.”
Na minha humilde opinião – e eu não falo por experiência própria, pois nunca fui capaz de passar das famigeradas vinte primeiras páginas de que fala a bela Zadie – tudo isso é válido, mas o que importa mesmo é sentar a bunda na cadeira e escrever. E escrever. E escrever. Todos os dias. Sem desculpas como aquelas que a gente dá para não ir à academia. O verdadeiro talento está na capacidade de manter a bunda na cadeira. O que faz lembrar a forma cruel, mas eficaz com que Edmund Wilson ajudou sua então mulher, Mary McCarthy, a escrever: ele simplesmente a trancava no escritório o dia inteiro. Numa aproximação mais elevada (e um tanto forçada), também remete à famosa máxima de Pascal, que diz mais ou menos o seguinte: “A origem da tristeza do homem está em não conseguir ficar sozinho em seu quarto”.
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