Em meio à poluição cada vez mais sufocante desta deprimente campanha eleitoral brasileira, movida a preconceitos e baixarias, nada como respirar por alguns dias o ar puro do mar em São Sebastião, brincar com os netos e assistir às comoventes cenas do resgate dos mineiros chilenos – uma belíssima vitória da solidariedade humana, da união e da força de um povo.
Ao viajar de volta a São Paulo, no final da tarde desta quarta-feira, viajei no tempo, e minhas lembranças se voltaram para outra vitória das luzes sobre as trevas, mais uma grande conquista humana: a chegada do primeiro homem à Lua, em 1969, que acompanhei em Caraguatatuba, cidade vizinha a São Sebastião, na casa dos pais da minha então namorada, hoje avó dos meus netos.
Até a Fênix, a cápsula do resgate, me fez lembrar vagamente, claro, da nave espacial da Nasa. A areia do deserto de Atacama pareceu, por um momento, o inóspito solo lunar. A única grande diferença é que, 41 anos atrás, o homem se lançou no espaço para conquistar outro planeta e, agora, os 33 trabalhadores chilenos renasceram das profundezas da mina de San Juan, de volta à Terra.
Fazia um bom tempo já, em meio a tantas desgraças naturais e humanas, nós não tínhamos um motivo universal para comemorar uma bela vitória como esta conquista chilena, capaz de alegrar o mundo inteiro ao mesmo tempo, ao vivo e em cores, pelo menos por algumas horas.
No momento em que escrevo, segundo o relato da competente e incansável repórter Luísa Pécora, no iG, vinte mineiros já haviam sido resgatados e era possível que todos estivessem de volta à superfície até o final do dia.
A cada resgate, era aquela comovente festa das famílias e dos técnicos se abraçando no acampamento de San Juan, espalhando felicidade pelos milhões de lares deste planetinha que acompanharam pela televisão esta inédita saga humana.
Ao comemorar a chegada do primeiro resgatado de volta ao solo de Atacama, o agora famoso Florence Ávalos, o presidente chileno Sebástian Piñera falou do “compromisso de um povo inteiro” e lançou um desafio: “Quando o Chile se une, somos capazes de grandes coisas. Quero convidar a todos os chilenos que tenham este compromisso não apenas nas adversidades”.
Piñera pegou pela proa um terromoto seguido de tsunami logo no dia da sua posse, em fevereiro; em agosto, o país foi abalado pelo drama dos mineiros que passariam 69 dias confinados a 700 metros de profundidade, após o desabamento na mina de San Juan e, agora, quer transformar em permanente um sentimento que só costuma aparecer nas tragédias.
É o caso de nos perguntarmos: por que as pessoas só costumam se unir na desgraça, e não são capazes de gestos de solidariedade no convívio cotidiano, que tornariam a vida de todos muito melhor, sem a necessidade de heroísmos? Por que fazer de cada disputa uma guerra para ser vencida a qualquer preço, transformar cada adversário num inimigo de morte, acirrar em vez de respeitar as nossas diferenças? Para quê?
Com a palavra, os leitores.
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