Sob o manto da representação

Quando decidiu filmar a vida do artista plástico Arthur Bispo do Rosário, Geraldo Motta jamais poderia imaginar que alguém pudesse requerer autoria na Justiça sobre seu projeto de quase uma década. O Senhor do Labirinto é baseado no livro homônimo de Luciana Hidalgo, que foi co-roteirista do filme, e narra a trajetória do Bispo do Rosário (interpretado por Flávio Bauraqui).Em 1938, Bispo do Rosário teve um surto de loucura no Centro do Rio de Janeiro, foi internado como esquizofrênico-paranoico na Colônia Juliano Moreira, onde permaneceu por 51 anos de sua vida, com algumas eventuais saídas. Na Colônia, Bispo do Rosário realizou seus trabalhos, com restos de matérias que pegava nas redondezas da Colônia. O artista transformava em esculturas os mantos que tercia.A vida do Bispo do Rosário, cheia de mistérios e arte, encantou Geraldo, depois da leitura do livro de Luciana Hidalgo, lançado em 1996. O diretor pressentiu que aquele material daria um belo filme. Mas, havia o problema que a pesquisa de Hidalgo, para fazer o livro, não conseguiu resolver totalmente: as lacunas na trajetória do Bispo fora da Colônia, de sua infância na cidade em que nasceu, Japaratuba, em Sergipe, em 1909, sua ida para Marinha, ainda adolescente, e sua vida no Rio de Janeiro, antes de ser internado na Colônia Juliano Moreira, aos 29 anos.”Tal como entendo o conceito de biografemas (conceito cunhado por Roland Barthes), a questão central não reside no que há de factual (na vida do Bispo). Portanto, o que nos conduziu foi a tentativa de compartilhar com os espectadores a visão de Bispo acerca de seu próprio discurso e obra. Não há qualquer pretensão de ser fiel ao que poderíamos chamar de realidade, pois é isso que nos faz ser o que somos, nosso discurso, a linguagem, por assim dizer”, explicou o diretor para o site da Brasileiros (veja trechos da entrevista no final da matéria). [nggallery id=14142] O filme passou pelo Festival de Cinema do Rio de Janeiro e agora está sendo exibido dentro da 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (a última exibição será na noite deste domingo, no Unibanco Arteplex 6, às 19h, no Shopping Frei Caneca). Desde o festival do Rio, começou a circular na imprensa trocas de acusações entre o diretor Geraldo Motta e Gisella de Mello, que reivindica a inclusão do seu nome como codiretora do filme. Gisella diz que não foi convidada para as apresentações do filme no Rio de Janeiro (em São Paulo, o diretor está apresentando o longa sozinho) e o Motta negou que ela tenha dirigido uma parte do filme. Gisella rebate, pela imprensa, dizendo que teve de assumir integralmente as filmagens quando Geraldo Motta se ausentou por problemas de saúde.Filmes eleitos pelo públicoComo acontece em todos os anos, o público da Mostra elegeu, por meio de cédulas de votação, os filmes de ficção e os documentários que o júri escolherá para receber o Troféu Bandeira Paulista. A festa está marcada para quinta-feira (4), no encerramento da Mostra, na Cinemateca Brasileira.No sábado (30), na sala do Cinesesc, os diretores da Mostra, Leon Cakoff e Renata de Almeida, apresentaram o júri do Mostra de 2010 e a relação com os 12 filmes de ficção e os sete documentários mais votados pelo público. O júri internacional deste ano é composto pelos diretores Alan Parker, Ana Luiza Azevedo, Carlo Di Carlo, o diretor e ator Miki Manojlovic, o ator Samuel Maoz e o crítico francês Michel Ciment. O júri de documentários: Felipe Tassara, Rainer Hartleb e Wolney Atalla. Os jurados de ficção e de documentário terão de escolher os filmes selecionados pelo público.Os 12 filmes de ficção escolhidos pelo público foram: A Árvore, de Julie Bertucelli, A Valsa das Flores, de Alyona Semenova e Alexander Smirnov, Abel, de Diego Luna, Azul da Cor do Mar, de Donatella Maiorca, Beyond, de Pernilla August, Hermano, de Marcel Rasquin, Irmandade, de Nicolo Donato, Peepli ao Vivo, de Anusha Rizvi, Quando Partimos, de Feo Aladag, Rosa Morena, de Carlos Oliveira (filme brasileiro e dinamarquês), Sou Terrorista, de Valérie Gaudissart e Terceira Estrela, de Hattie Dalton.Os sete documentários escolhidos pelo público foram: A Rota das Tintas, de Pamela Valente, Camponeses do Araguaia – A guerrilha por vista por dentro, de Vandré Fernandes, Exit Through The Gift Shop, de Banksy, Jardim Sonoro, de Nicola Bellucci, O Samba Que Mora em Mim, de Georgia Guerra-Peixe, Os Dois Escobares, de Jeff Zimbalist e Michael Zimbalist, Sinfonia de Kinshasa, de Claus Wischamann.Entrevista com Geraldo Motta (diretor do filme O Senhor do Labirinto)Brasileiros – Seu filme, O Senhor do Labirinto, foi exibido pela primeira vez, dentro do Fest Rio, e saiu com o prêmio de público. Segundo o crítico Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de S. Paulo, o júri do festival errou em não premiá-lo (o filme escolhido foi Vips, de Toniko Melo). O que você achou de tudo isso?Geraldo Motta – Olha, eu considero, enquanto realizador, o prêmio de público mais almejado, uma vez que expressa o acolhimento do filme, no coração e nas mentes dos espectadores. Um prêmio de júri é a expressão de quatro opiniões (o júri do Fest Rio foi composto de quatro jurados). Nós não sabemos quais foram as orientações desse júri. Quando falo em orientações, estou me referindo não somente artística, como de outras ordens.Brasileiros – E a opinião do Merten a respeito do seu filme?G.M. – A indignação do Merten vem em função dele identificar no meu filme uma qualidade que o júri do Fest Rio não viu. Ele falou em outra matéria do jornal que O Senhor do Labirinto é o melhor filme nacional dessas últimas safras do cinema brasileiro, e isso não é pouco, vindo, sobretudo, de um crítico como o Merten. José Carlos Avellar, crítico do Rio de Janeiro, também adorou meu filme. Então, tenho dois grandes críticos, pelos quais tenho grande admiração e respeito, e a opinião do público, isso já me basta.Brasileiros – Gostaria que você explicasse o problema que você teve com Gisella Mello, que foi codiretora do filme O senhor do Labirinto?G.M. – Eu prefiro, por duas razões, não falar. A primeira é por elegância e a outra é por uma questão de reconhecimento de que isso deve ser tratado no âmbito da Justiça. Prefiro ficar no meu direito de me silenciar em nome do filme. Tenho certeza de que a verdade virá a tona. E quem tiver de responder perante a Justiça, assim o fará.Brasileiros – O filme pode não ser lançado por causa dessa pendência na Justiça?G.M. – Eu acho difícil. Acho muito difícil que isso venha a ocorrer.

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