No laboratório do Nicolelis

NICO
A OBRA DO CIENTISTA – Em São Paulo, Nicolelis apresenta o exoesqueleto/ Foto: Diego Rousseaux

O homem que comanda uma das mais complexas pesquisas na área da neurociência é, paradoxalmente, um sujeito simples. Desses que combinam calça social, tênis e camiseta. No entanto, o paulistano Miguel Nicolelis, 53 anos, chama a atenção do mundo, em especial da comunidade científica, por sua série de investigações em torno do cérebro, o principal órgão humano, centro do nosso sistema nervoso. As pesquisas de Nicolelis somam mais de três décadas. Ele já comprovou, por exemplo, a transferência de atividades cerebrais entre dois roedores que estavam a milhares de quilômetros de distância um do outro e conseguiu fazer um macaco controlar uma mão virtual só com a força do pensamento. No momento, o foco de suas pesquisas, em estágio avançado, está em uma máquina, que vai devolver a paraplégicos os movimentos das pernas.

Pouca gente de fora do circuito acadêmico-científico e da reabilitação física frequenta o laboratório instalado em Moema, zona sul de São Paulo, onde Nicolelis comanda o Walk Again Project, ou Projeto Andar de Novo, que envolve 126 pessoas de 23 países dos cinco continentes. No último sábado do mês de março, na véspera de uma das semifinais do Campeonato Paulista, entre Palmeiras e Ituano (o time de Itu eliminou a equipe alviverde por 1 a 0), Nicolelis, palmeirense devoto, recebeu a equipe da Brasileiros para uma apresentação longa e didática do exoesqueleto (ele vestia uma camiseta verde, não por acaso, a mesma cor do uniforme do clube).

A supermáquina impressiona. Pelo tamanho e pela complexidade. Fios, engrenagens e articulações de aço hidráulicas, softwares, geradores, roldanas, air bags… Funciona com bateria recarregável na tomada, com autonomia para duas horas. Um robô que parece ter sido feito para o cinema de ficção científica, mas é real, sustentado com o que há de mais inovador em neurociência e robótica.

O paciente “veste” o exoesqueleto e faz os movimentos controlados pelos sinais de seu cérebro, que são obtidos pelo método não invasivo EEG (eletroencefalograma). Em outras palavras, quando o paciente imagina um movimento, o sinal gerado pelo seu cérebro é registrado pelo EEG, ativando o circuito robótico do exoesqueleto. O exo é, então, uma extensão do corpo do usuário. “Os movimentos são suaves e humanos, não robóticos”, diz Nicolelis.

Detalhe do exoesqueleto. Foto: Diego Rousseaux.
Detalhe do exoesqueleto. Foto: Diego Rousseaux.

Por enquanto, oito pacientes da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), com idades entre 20 e 40 anos, experimentam o exo e aprendem como administrá-lo com a ajuda de psicólogos e especialistas em reabilitação. O treinamento inclui um sistema de realidade virtual, combinado com recursos visuais, em que os pacientes veem pernas andando, que se parecem com as deles. “Cada vez que a perna virtual encosta no chão, eles recebem um estímulo tátil e o cérebro passa a imaginar que as pernas paralisadas podem se movimentar de novo”, explica Nicolelis.

O exoesqueleto é resultado de anos de trabalho realizado por uma equipe internacional de cientistas e engenheiros. As obras de robótica foram coordenadas por Gordon Cheng, do Technical University, de Munique (Alemanha), e pesquisadores franceses construíram a estrutura. A equipe de Nicolelis está focada nas leituras das ondas cerebrais para usar esses sinais no controle dos membros robóticos.

De acordo com o cientista brasileiro, os pacientes da AACD foram bem-sucedidos no processo de assimilação do exo, a fase virtual do processo. Eles já começaram a andar com o equipamento e estão na etapa de domínio do equilíbrio do corpo. Daqui a pouco, vão chutar uma bola. Não uma bola qualquer. Um deles, durante a cerimônia da abertura da Copa do Mundo, em 12 de junho na Arena Corinthians, São Paulo, caminhará até o meio-campo para chutar uma bola. Essa será a primeira apresentação pública da tecnologia que, de acordo com Nicolelis, transformará a cadeira de rodas em peça de museu. A contagem regressiva para esse pontapé está sendo feita detalhadamente pelo cientista desde o dia 1o deste mês de abril, em sua página oficial no Facebook. O site da Brasileiros (brasileiros.com.br) reproduz esse diário.

Apesar de os testes estarem dando excelentes resultados, Nicolelis afirma que o exoesqueleto é o primeiro passo. Para ele, as possibilidades futuras incluem o surgimento de braços robóticos e o computador orgânico, quando as pessoas poderão dirigir carros sem tocar em nada ou usar computadores sem mover um dedo, apenas com a força do pensamento. A partir dessas experiências, o Brasil despontará como potência de um segmento com potencial bilionário, chamado por Nicolelis de “neurotecnologia”. Mas isso é outra história.

Filho da escritora de literatura infantojuvenil Giselda Laporta Nicolelis e do juiz aposentado Angelo Nicolelis, Miguel estudou Medicina na USP, onde fez doutorado, e depois foi para os Estados Unidos cursar pós-doutorado em Fisiologia e Biofísica, pela Hahnemann University, na Filadélfia, Pensilvânia. Desde 1994, ele está à frente do Duke’s Center for Neuroengineering, na Duke University, em Durham, Carolina do Norte, onde é professor de Neurociência. No laboratório americano, amplia experiências que desvendam os mistérios do cérebro. Além de todos esses créditos, ele possui uma visão apaixonada da promoção de investimento científico como agente de transformação social. Por isso, criou, em 2003, o Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra, que tem como um dos objetivos trazer de volta ao País cientistas brasileiros e também ter um ambiente favorável para a vinda de estrangeiros.

Autor de Muito Além do Nosso Eu (Cia. das Letras), em que revela, entre outros temas, como o cérebro cria o pensamento, Nicolelis acaba de lançar outro livro, dessa vez infantojuvenil e escrito a quatro mãos, com a mãe. O Maior de Todos os Mistérios (também Cia. das Letras) questiona como seria controlar todo o tipo de máquina apenas com a força da imaginação. Nas próximas páginas, Miguel Nicolelis, que publica aqui um texto inédito e afetivo sobre o exo, apresenta a máquina e fala de suas outras experiências. Fala também sobre o Brasil e dá os seus motivos para acreditar que o País é a esperança do mundo.

criador e criatura O cientista e o exoesqueleto. Painel com metas do projeto Walk Again
CRIADOR E CRIATURA O cientista e o exoesqueleto. Painel com metas do projeto Walk Again

Brasileiros – Como estão os testes do exoesqueleto?
Miguel Nicolelis – Já sabemos que os pacientes são capazes de fazer toda a manobra mental para controlar o exoesqueleto. Todos experimentaram, por meio de treinamento em realidade virtual, a ilusão de sentir novamente as pernas, um processo de assimilação.

Como é a relação da pessoa com o exoesqueleto?
Tiramos vantagem de um fenômeno que descobrimos em macacos. Conseguimos criar, por meio de um processo chamado plasticidade cortical, a sensação do membro fantasma, uma das mais antigas da história. A grande maioria das pessoas que perde um pedaço do braço ou da perna, 90%, apesar da perda real, tem a sensação de ter aquela parte do corpo. Em um sistema de realidade virtual, com a combinação de um recurso visual, em que pacientes veem pernas andando que se parecem com as deles, cada vez que a perna virtual encosta no chão, eles recebem um estímulo tátil no braço e o cérebro passa a imaginar que o corpo tem a perna novamente. Há relatos de pessoas que têm a sensação de estar andando, tocando o chão. Um paciente disse ter tido a sensação de estar pisando na areia. A sensação do membro fantasma é essencial para que o exoesqueleto seja assimilado como uma extensão do corpo do paciente. Para o cérebro dele, o exoesqueleto é parte de seu corpo. Isso nós já demonstramos nos oito pacientes que participam do Walk Again. Neste momento, eles começam a usar exoesqueleto para andar, estão reaprendendo a andar. É o que vamos fazer nos próximos dois meses e meio.

Então, não basta apenas vestir o exoesqueleto…
Não, a pessoa precisa ser treinada e entender a lógica do que estamos fazendo. Não existe mágica. Não existe tecnologia nenhuma que resolva tudo por si só. O processo de reabilitação exige muito das pessoas. Elas têm de mudar o perfil psicológico, fazer força física para andar e precisam imaginar e acreditar que vão andar. Quando falei que essa pesquisa iria, em longo prazo, transformar a cadeira de rodas em objeto de museu, certas pessoas disseram: “Como assim? Você está dando esperança para essas pessoas?”. Mas o que é a vida sem esperança? Sem a busca da felicidade, do prazer e da esperança?

Quais movimentos o exoesqueleto possibilita?
A ideia é que todos os movimentos básicos sejam reproduzidos. Mas estamos colocando ênfase em andar e chutar uma bola. No simulador, eles fazem vários movimentos.

Daqui até a Copa do Mundo, o treinamento será para o pontapé inicial?
Sim, andar com o exoesqueleto em diferentes situações experimentais. Até lá, não vou sair do laboratório, já estou quase morando aqui. É algo bom, um ambiente extremamente estimulante. Tudo está em ebulição.

Todos os pacientes ficaram paraplégicos ou há quem nasceu com alguma paralisia?
Todos tiveram uma lesão traumática da medula espinal e ficaram paraplégicos. Ou seja, andaram boa parte da vida. Então, esse registro está na memória.

E esse registro é determinante para a sensação do membro fantasma?
Não sabemos ainda, mas há registros, por exemplo, de crianças que nasceram sem membros e têm a sensação do membro fantasma.

A ideia é que com o exoesqueleto a pessoa possa ter todos os movimentos básicos?
Sim, os movimentos básicos das pernas. Mas esse é só o primeiro passo. E não é ficção científica. A ciência progride passo a passo e tem muito trabalho pela frente ainda. No entanto, o Walk Again permitiu um salto exponencial nessa área. Criamos um robô completo, o exoesqueleto, que é modular. Futuramente, vamos construir os braços.

Será o mesmo exoesqueleto para os membros superiores?
Do ponto de vista da robótica não é muito diferente. Mas andar é bem menos complexo do que pegar, tocar algo. Os comandos são outros e a necessidade de maiores detalhes para braços e mãos é maior.

Quando o senhor teve a ideia de apresentar o exoesqueleto durante a cerimônia de abertura da Copa?
A ideia ganhou força há uns quatro, cinco anos. Comecei a falar do projeto em minhas palestras, e as pessoas ficavam impactadas. Há mais de 20 milhões de pessoas paralisadas no mundo, uma São Paulo inteira. E tem gente que ainda comenta: “Poxa, mas vão investir US$ 14 milhões para fazer alguém andar”. Nos Estados Unidos, me ofereceram dez vezes esse valor, mas insisti para fazer a pesquisa aqui.
GFGF

Recentemente, o senhor divulgou sua experiência de comunicação cerebral entre dois ratos que estavam distantes um do outro. Ela tem relação com o projeto Walk Again?
Tudo tem a ver com tudo, mas com variações. Esses estudos estão relacionados com uma nova teoria do cérebro. Um cientista não pensa linearmente, e eu tenho uma teoria de como o cérebro funciona, em que defendo que o centro do universo é o cérebro humano. É ele que cria a história do universo humano. O centro de tudo que a gente vê, toca, sente, sonha e imagina é o cérebro humano, que está em contínuo fluxo, não tem uma história só. Ele altera continuamente essa história, o que chamamos de plasticidade. O cérebro adquire o que o mundo externo está dando para ele e gera uma nova hipótese do que o mundo é. Algo completamente diferente da visão computacional, na qual o cérebro funciona decodificado e serialmente. O cérebro usa sua própria matéria orgânica para processar e computar informações.

Quantas pessoas trabalham atualmente no laboratório de São Paulo, envolvidas no Walk Again?
O projeto tem 126 pessoas de 23 países, os cinco continentes representados. Hoje, em São Paulo, tem umas 30 pessoas, entre elas, dois caras da Tunísia, dois americanos e um cara do Marrocos. Tenho até um aluno afegão. Nasceu no Afeganistão, cresceu na Itália, fez PhD na Suíça e nos Estados Unidos e agora é do instituto de Natal. Levamos gente de todo o mundo para lá por causa desse projeto.

Olhar o paciente com o exoesqueleto pela primeira vez o emocionou? Qual foi a sensação? As pessoas acham que cientistas são pessoas menos emotivas. Procede?
Somos seres humanos como qualquer outro. Chorei como criança. Quando o primeiro paciente usou o EEG para controlar o simulador do exoesqueleto e andou, todo mundo em volta não conseguiu segurar a emoção. Havia mais de 30 anos que eu esperava por isso. Os pacientes esperavam por isso há dez, 15 anos. A diferença é que eles achavam que estavam condenados, mas hoje estão em pé e sonhando em jogar futebol com o exoesqueleto. O projeto devolve os movimentos das pernas de paraplégicos e também a capacidade de sonhar com um futuro melhor. Em algumas cidades do interior do Brasil, onde dou palestras sobre esse projeto, pessoas me perguntam quanto nos deram para desenvolvê-lo. Falo em R$ 33 milhões, e elas dizem: “Deveriam ter dado três vezes mais”. Não estamos falando de algo trivial. Nosso drama no Brasil é que o grau de educação científica é tão absolutamente abaixo da média que as pessoas não sabem diferenciar o que é ciência real, o que é método científico, de ficção ou loucura. Ouço toda a sorte de barbaridades. E a questão mais difícil desse projeto não é a engenharia. O mais difícil é lidar com todas as dificuldades logísticas de fazer isso no Brasil e ainda assim ter torcida contra. Para cada dez brasileiros que torcem para nós, tem um torcendo fortemente para que não dê certo. Mas todos os pensadores do mundo, fora do Brasil, estão torcendo a favor.

Na sua percepção, por que isso ocorre?
É só ler Nelson Rodrigues. Não preciso reinventar a roda. É só ler A Pátria de Chuteiras.

O complexo de vira-lata…
Sim, ele não foi embora. Foi embora do futebol durante um tempo. As colunas que Nelson Rodrigues escrevia antes da Copa da Suécia, em 1957 e 58, são tão verdadeiras que, quase 60 anos depois, elas ainda estão aqui. O Brasil não pode dar certo para certas pessoas, para certos segmentos da sociedade. É o que Nelson Rodrigues chamava de o “quadrúpede de 24 patas”, que cai de quatro, mas cai nas 24 patas. A maravilha está lá fora, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França, países que enfrentam hoje problemas gravíssimos: financeiros, econômicos, éticos, morais. Aqui não pode dar certo. O The Guardian vai publicar uma matéria sobre o projeto, e a editoria de ciência desse jornal é considerada a melhor do mundo. E o repórter me telefonou de madrugada, vibrando com o que vai colocar no papel porque ele vê isso como um projeto para a humanidade. Uma ciência feita em um lugar onde o mundo inteiro olha como uma das últimas esperanças. Um cientista americano passou duas semanas aqui, virou para mim e disse: “Nem queria vir para cá, pois li umas reportagens no New York Times e achei que o Brasil estivesse explodindo. Agora, quero mudar para cá”. Então, é isso: o Brasil não pode dar certo para certos segmentos e parte da mídia, escrava e contratada desses segmentos, tem como missão manter todos nós abaixo da linha de mediocridade. Incomoda quando algo ou alguém cruza a linha da mediocridade e atinge um padrão de qualidade que não existe em lugar nenhum do mundo. O laboratório de robótica que temos no Brasil não existe em lugar nenhum do mundo, nem no MIT, nem em Harvard, mas não se pode falar isso.

De onde vem sua consciência política?
Sou filho da geração do golpe. Cresci sob a égide do terror e do medo. Lembro do meu pai falando para eu só sair na rua com os livros certos, se não, nunca mais voltaria para casa.

Quais eram os livros “proibidos”?
Eu e um amigo andávamos com O Capital, e meu pai um dia perguntou: “Por que vocês saem na rua com o Capital? Vocês vão ser presos, vão sumir!”. Meu amigo disse: “Olha, o seu filho eu não sei, mas eu saio porque a mulherada adora”. Os meus motivos eram mais profundos. Sou filho da ditadura, nasci em 1961. Vivi 28 anos no Brasil, fui embora em 1989. Já vi esse filme. Quem não viveu essa época não tem a menor noção do que ela foi. Então, quando as pessoas falam coisas estúpidas sobre o período é porque não têm a menor noção do que é viver com o conhecimento de que um colega seu desapareceu e, de repente, foi achado morto. Tenho opiniões que incomodam até porque cientista não pode ter opinião.

O senhor pode sintetizar o que quer do Brasil?
Quero um Brasil sem complexo de vira-lata. Quero um Brasil onde as crianças possam almejar ser o que quiserem. Quero que elas atinjam a plenitude da felicidade humana pelo direito de serem protagonistas de seus próprios sonhos. Em uma sociedade justa, todo mundo tem o direito a ascender por seus méritos. Quero um Brasil onde os meios de comunicação não sejam de uma minoria, onde o governo seja para todos, onde a justiça seja para todos, não diferenciada. Sou filho de um juiz, cresci ouvindo que a lei é soberana e é para todos. Meu pai colocou gente do Esquadrão da Morte na cadeia. Foi ameaçado de morte. Mandou o Fininho II para a cadeia. Ia mandar o Fleury (Sérgio Paranhos Fleury, que foi delegado do DOPS) para a cadeia, mas ele sofreu um “acidente” e morreu.

O senhor fala em segmentos que torcem contra. A quem se refere exatamente?
É só abrir os jornais e ler as notícias. Se eu pudesse me sentar com qualquer um desses caras da imprensa, os analistas econômicos e os jornalistas políticos, a primeira pergunta que eu faria: “Me diga quando o Brasil esteve melhor?”. Antes do Pedro Álvares Cabral talvez tenha sido melhor. Tem problemas? Claro que tem. Vivo há mais de 20 anos nos Estados Unidos e a única coisa que aprendi lá, que realmente vale a pena é que quando os caras têm um problema eles não ficam choramingando, eles resolvem o problema. Agora, diga, em que momento de nossa história tivemos um País mais justo? Com mais ascensão social, com mais estabilidade econômica, com mais jovens nas universidades. É o ideal? Claro que não. Viajo pelo mundo todo… Vá à Espanha para ver como a coisa está lá. Dê um pulo na Inglaterra, na periferia de Londres. Desemprego de 25%. Agora, que chegamos a 2014, as pessoas dizem que vão torcer contra o Brasil na Copa. Em 1970, as pessoas torceram a favor do Brasil, em plena ditadura.

Como o senhor interpreta essa movimentação que vem de junho de 2013 para cá e culminou em pautas como “não vai ter Copa”?
Toda reivindicação social é absolutamente justa. Todos têm o direito de reivindicar melhorias para o País. Fiz isso, com a polícia querendo bater na gente, na ditadura.

O senhor ficou no Brasil até 1989, portanto, acompanhou todo o processo de reabertura…
Participei do movimento estudantil, não foi na era mais grave. Mas só para ter ideia, quando entrei na universidade, em 1979, o secretário de Segurança Pública de São Paulo era o Erasmo Dias. Portanto, hoje, claro que os movimentos sociais têm todo o direito de reivindicar, mas viraram uma tentativa de desestabilização.

Essa agenda é composta de pautas antigas, atravessamos décadas com a maioria desses problemas. Por que agora ganharam urgência e não foram discutidos em outros governos?
Sinceramente, não sei. Quando a Inglaterra abriu a Olimpíada de 2012, o que vimos? James Bond, a rainha chegando de helicóptero, Mr. Bean tocando Chariots of Fire, a Revolução Industrial. Vimos a celebração da cultura inglesa. Eles mostraram para o mundo o que fizeram de melhor. Lógico, não contaram as incursões imperialistas na Índia, não falaram dos massacres no Ceilão, no Oriente Médio, na divisão da Palestina. Mas mostraram para o mundo a cultura inglesa e o que a Inglaterra fez para a humanidade. Todo mundo se emocionou, e o povo inglês deu apoio máximo à rainha. Chegamos, enfim, à Copa do Mundo no País do Futebol e, no momento em que deveríamos fazer um show para o mundo, vamos fazer barraco? Mostrar que não temos maturidade para discutir nossos problemas de maneira democrática, correta e nos fóruns adequados? É isso que queremos de um País maduro? A Copa foi conferida ao Brasil em 2007. Houve tempo para discutir tudo isso e, agora que assinamos um contrato, vamos quebrar? Onde estava esse povo todo quando assumimos fazer a Copa e a Olimpíada aqui? Vivemos em uma democracia e ela é feita com a participação popular, com os movimentos sociais cobrando dos governantes os direitos que lhe são conferidos por um contrato social democrático, de uma sociedade moderna. Mas espera um pouco… Sou brasileiro e quero que tudo ocorra da melhor forma possível porque tem o nome do Brasil envolvido. Ando pelas ruas e vejo rapazes vestindo camisetas do Bayern, do Barcelona e não consigo entender. Eles estão loucos?! Essa é a terra do Pelé, Garrincha, Ademir da Guia, Baltazar, Didi. Para que camisa do Barcelona?

Suas convicções políticas já existiam no jovem Miguel que há 30 anos deu início às pesquisas que culminaram no Walk Again?
A coisa que mais me orgulho é reencontrar amigos de universidade, quase 35 anos depois, e eles dizerem: “Pô, Miguel, você perdeu quase todo o cabelo, mas não mudou uma micra do que você era”. Minha crença do que eu quero se fez há muito tempo, quando o País não tinha saída. Era ignorar ou sumir. Eu trouxe gente do mundo inteiro para cá. Construímos um centro de reabilitação. O Walk Again é o patamar inicial de uma indústria de reabilitação que vai valer bilhões de dólares. É um exemplo claro do lema que norteia nosso instituto em Natal: “A ciência como agente de transformação social”. A Scientific American tratou o que fazemos como algo completamente inovador. As maiores revistas científicas do mundo, Science e Nature disseram que estamos fazendo a ciência a serviço do homem, a serviço do crescimento. No mundo todo, qual é o plano de negócios da ciência, especialmente a americana? A maioria das pesquisas é para fins bélicos. Os maiores investimentos vêm dos departamentos de defesa. Na Europa, o centro de inovação tecnológica serve ao capitalismo industrial. No Japão, é a robótica para montar carro sem gente. Temos a oportunidade de sermos líderes mundiais no campo da ciência a serviço do bem-estar da humanidade.

E por que você decidiu fazer isso em Natal?

No meu próximo livro, que sairá depois da Copa do Mundo, conto a história da primeira entrevista para TV que dei em Natal. As primeiras perguntas que a repórter me fez foram: “O senhor quer se tornar político? Veio aqui atrás de dinheiro?”. Disse não, ela deu uma pausa e disparou: “Então, o senhor é louco?”. Sim! Fui para Natal porque queria provar que esse modelo de ciência de ponta voltada para o ser humano demanda gente, infraestrutura, custa dinheiro, mas devolve dinheiro. Se o Walk Again funcionar como eu quero, ele será um investimento, em longo prazo, que não só vai gerar benefícios concretos para as pessoas, mas vai criar a neurotecnologia. Isso é o futuro. Você vai dirigir seu carro daqui a 15, 20 anos sem ter de encostar em nada. Vai sentar-se no seu carro, pensar para onde quer ir e seu carro o levará até lá. Você vai utilizar o computador sem precisar digitar, vai imaginar o que quer e seu cérebro será parte do sistema operacional. Você estará embutido no sistema virtual. A tecnologia está mudando a maneira como o ser humano enxerga e interage com o mundo e eu quero que essa indústria esteja no Brasil. Não me arrependo de forma alguma em ter escolhido Natal para fazer isso. Precisava demonstrar que tudo isso pode ser feito em um lugar onde nenhum cientista brasileiro achava que poderia ser feito. Demonstrar que o talento brasileiro está em qualquer canto. Você não precisa estar em São Paulo, na USP, para fazer isso funcionar. Fomos para a periferia de Natal, em Macaíba, aonde nenhum cara em sã consciência iria. O cientista, quando demonstra um experimento, primeiro demonstra sua hipótese nas condições mais terríveis possíveis, pois, se funcionar, é sinal de que vai funcionar nas melhores condições. Passei por experiências maravilhosas nesses dez anos em Natal. Mas você nunca espera estar educando mais de mil crianças, dando assistência médica a 12 mil mulheres e receber um telefonema com um cara dizendo que vai te pegar na curva e vai te matar. Achavam que eu queria ser prefeito ou governador em Natal, e isso incomodava. Pessoas me perguntavam por que eu não me candidatava pelo menos para senador. Como assim, tá louco! Depois da ameaça, chamei a polícia e fiquei apreensivo por vários dias. Minha família me dizia: “Sai daí, esquece o Brasil”. De jeito nenhum! Se eu for embora, se alguém como eu deixar de fazer um barato desses, é a desculpa perfeita para ninguém mais fazer. 


Comentários

2 respostas para “No laboratório do Nicolelis”

  1. Remoto neural monitoramento por satélite terrorismo no Brasil

    Os cérebros dos brasileiros estão sendo conectados à satélites para fins de tortura e assassinato e o governo continua ignorando os fatos. Essa tecnologia por satélite é controlada por uma rede global de criminosos. Leiam mais v2k technology, synthetic telepathy, voice to skull technology, nano implant brain radar, microwaves in remote neural monitoring, mind control an silent sound, mk ultra, gang stalking world, harassment attacks, target individual, Psycotronic weapons. Recentemente foi aprovada uma lei nos EUA contra o uso de armas geofísicas climática e controle mental, gostaria de saber a opinião da população e autoridades brasileiras à respeito desse tipo de crime no país.

  2. Avatar de Paulo Lui Filho
    Paulo Lui Filho

    Boa tarde Miguel , eu gostaria de apresentar uma tecnologia japonesa de ultima geração que tem tido grandes resultados , está ligada a radio frequência pulsátil nós temos em forma de colchão , eu sou um terapêuta e alguns pacientes meus tem tido um resultado positivo em pessoas de Parkinson , Alzaimer e outras situações como vc está ligado a estas areas se houver interesse de falarmos a esse respeito aguardo seu retôrno será uma honra conhecê-lo pessoalmente aceite um fôrte abraço até mais….

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