De volta a Moema, 50 anos depois do golpe

O criador, a criatura e o painel com metas do projeto Walk Again.
O criador, a criatura e o painel com metas do projeto Walk Again.

O momento era crítico e alguém precisava deitar no chão para registrá-lo em detalhe. Depois de mais de 30 anos de trabalho, envolvendo mais de uma centena de colaboradores mundo afora, chegara a hora de colocar o nosso exoesqueleto no chão e observar o seu primeiro passo. Sim, o primeiro passo, aquele que qualquer pai orgulhoso nunca esquece. Só que, dessa vez, não era o primeiro passo de um bebê, mas de um outro tipo de filho: um robô. Ou melhor, um exoesqueleto, no jargão mais moderno; uma máquina no limite da tecnologia moderna, que é capaz de andar sob o controle da mente humana e, no processo, devolver a essa mesma mente, privada há anos dessa experiência tão ímpar como corriqueira para a maioria de nós, a sensação do que é navegar livremente pelo mundo que nos cerca. E senti-lo, literalmente, na ponta dos pés.

Deitado no chão, câmara na mão, ansioso à espera do momento de libertação do nosso “bebê robótico”, eu hesitei por um instante, tentando lembrar qual era a data a ser escrita no nosso registro experimental.

– Que dia é hoje?
– 31 de março.

A resposta veio rápida e técnica, sem nem mesmo um ponto de exclamação. Meu informante, muito jovem, não associou a data com a história, pois por não tê-la vivido na pele, dela não tem nenhuma memória.

Eu, porém, imediatamente atinei com a quase magia do momento. Afinal, quis o destino, ou a “conjunção dos fractais”, como diz o meu grande amigo Hélio Campos Mello, que exatos 50 anos depois do golpe de 1964, eu me encontrasse no chão de um laboratório em Moema, o mesmo bairro em São Paulo onde cresci e vivi de meados dos anos 1960 até 1984, documentando o resultado de um dos experimentos essenciais para que, se tudo der certo, um brasileiro paralisado da cintura para baixo possa dar um chute na bola durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo, na tarde do dia 12 de junho próximo. Numa fração de segundo, deitado no chão, próximo ao Parque Ibirapuera, onde 50 anos atrás joguei muita bola, ainda de olhos focados nos pés imóveis do nosso exoesqueleto, eu me dei conta de quanto o Brasil mudou nesse meio século que separa a minha infância, vivida sob o jugo do medo da ditadura militar, e esse novo momento, recheado de pura esperança.

Mas, para me tirar dessa divagação silenciosa, o exoesqueleto decidiu começar a andar, um passo atrás do outro, como que para me trazer de volta a 31 de março de 2014 e confirmar a existência de outro Brasil, um País que jamais permitirá que o medo volte a dominar a esperança.


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