A fé, a má-fé e o fanatismo religioso

Política, futebol e religião são temas que sempre provocam polêmicas entre os leitores, eu sei, mas ainda não tinha visto nada parecido com o que aconteceu esta semana. Ao indagar no post “Quem ainda segue o que diz Bento 16?”, um texto sobre as suas mais recentes declarações a respeito do uso da camisinha, acabei despertando a ira de católicos mais ortodoxos, que invadiram o Balaio desde segunda-feira com uma enxurrada de comentários histéricos e ensandecidos de papistas em defesa de seu líder espiritual.

Parecia coisa de uma central de pronta-resposta, tão mal escritos eram os comentários, em estilo capenga e com palavras chulas, a exemplo do que vimos na recente campanha eleitoral, entre o primeiro e segundo turnos. Poucos se dignaram a responder à questão levantada pelo Balaio, limitando-se a ofender o autor. Nunca fui tão xingado na vida.

Além de pedir minha expulsão imediata da Igreja Católica e a censura ao blog, alguns igrejeiros mais xiitas chegaram perto de me mandar para a fogueira. Devem ser os mesmos que vivem pregando a favor da liberdade de imprensa e de expressão – da imprensa deles e da expressão deles, é claro, não dos outros. Ou o infalível Bento 16 pode falar o que quiser e nós, os simples mortais, não? Em qual das muitas bíblias citadas isto está escrito?

Até os termos usados foram semelhantes aos do catecismo empregado na campanha eleitoral: velho, idiota, comunista, gagá, ateu, evangélico, traidor, idiota, Judas Escariotes, cocho mental, excomungado e por aí afora. Ao contrário da limpeza que costumo fazer para manter o asseio do blog, deixei de propósito alguns comentários mais escatológicos para que os leitores possam constatar a que ponto chegam a estupidez e a irracionalidade de uma camada da população ainda mais radicalizada após as eleições.

Ao começar a escrever este post, já havia liberado mais de 550 comentários sobre o assunto, fora as centenas que eram absolutamente impublicáveis e tiveram que ser deletados. No país laico em que vivemos, graças a Deus, somos todos livres para professar a nossa fé, mas a intolerância e a má-fé demonstradas em muitas destas manifestações nos levam a refletir sobre os males que podem ser causados pela intolerância que leva ao fanatismo religioso. Só mesmo lendo estes comentários para entender o que estou querendo dizer.

Não sei se isto ainda é sequela das baixarias da última campanha eleitoral, quando a religião foi utilizada no submundo da internet e de alguns templos para salvar uma candidatura presidencial a qualquer custo, levando a cenas explícitas de preconceito e violência nas ruas e na internet, mas o fato é que em mais de dois anos de Balaio é a primeira vez que o debate descambou desse jeito, justamente quando o assunto era religião. Nem futebol nem política chegaram perto.

Misturaram política com religião e agora estão misturando religião com política. Será um sinal dos tempos? Estas confusões não costumam acabar bem.

Abaixo, reproduzo alguns comentários menos chulos, mantendo a grafia original para dar uma idéia do nível de intolerância a que chegamos:

Cícero, às 23h22, de terça-feira: “Se uma pessoa é católico tem que conceder em tudo que o papa prega”.

Roberto Petersen, às 10h36, de terça: “Lamento te informar, meu caro, que você não é mais um cristão. Talvez nunca foi!”.

Maurício, às 8h57, de terça: “Se você não está satisfeito, crie sua própria igreja e suas regras”.

Julio Cesar, às 8h34, de terça: “Cala a boca Ricardo Vc não é católico, é ateu”.

Jorge Furlan, às 7h58, de terça: “Ricardo Kotscho: O TOSCO. VOÇE É UM GRANDE IDIOTA” (escrito assim mesmo, com cedilha, maiúsculas e sem acento).

Se não der para arejar um pouco as mentes, explicando que já chegamos ao século 21, estas centrais de pronta-resposta poderiam pelo menos oferecer um curso básico de língua portuguesa aos seus fiéis colaboradores.

Mas o que me deixou mais triste nesta história foi constatar, salvo engano meu, que nenhum dos quase mil leitores que enviaram comentários colocou em debate a questão do planejamento familiar, também ligado ao uso de preservativos – assim como o combate à Aids -, entre outros anticoncepcionais cujo uso até hoje é considerado pecado pela Igreja Católica.

Neste caso, não estamos falando apenas de seguir ou não os mandamentos e as orientações do papa, seja ele qual for, mas de temas centrais da vida, como a miséria das milhares de mulheres com muitos filhos e sem nenhum marido, a saúde pública, a gravidez precoce, as mortes causadas por abortos feitos sem assistência médica, a falta de habitação decente para todos nas grandes metrópoles, a pedofilia, a violência crescente, a proliferação das drogas, a degradação dos costumes, a desestruturação familiar.

É disso que todas as igrejas deveriam tratar em vez de ressuscitar a Santa Inquisição.


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