O novo sempre vem

Dos mais expressivos grupos do chamado krautrock, rótulo aglutinador de quase toda a produção de música jovem produzida na Alemanha, desde o final dos anos 1960, e um dos principais responsáveis pela migração da música eletrônica da esfera erudita dos experimentos eletroacústicos para o âmbito do consumo de massa, o Kraftwerk deu à cultura pop muito mais do que bases sólidas para a construção de uma música cada vez mais convergente com as novas tecnologias. Corria o ano de 1971 quando – em meio aos experimentos que resultariam em Kraftwwerk 1, primeiro álbum da banda -, o guitarrista Michael Rother e o baterista Klaus Dinger decidiram abandonar o grupo para embarcar em uma empreitada de proporções equivalentes, o grupo Neu! (novo, em português).
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Inspirados, já em 1972 eles lançariam o álbum homônimo de estreia, produzido por Conrad Plank, que assinou os primeiros álbuns do Can e integrou, como músico, o Guru Guru – dois outros nomes de primeira grandeza do krautrock. Pautado em intervenções eletrônicas, mas repleto de manipulações orgânicas de instrumentos convencionais, como o contrabaixo, a guitarra elétrica, e a cadência minimalista da bateria de Dinger, Neu! permaneceu obscuro na própria Europa, mas passou a ser cultuado por uma nova geração de bandas que surgiria no final dos anos 1970, na Inglaterra, época em que o pós-punk tratou de ampliar o conceito de “faça você mesmo”, para algo como: “faça você mesmo, mas não faça igual aos outros”. Muito além dos três acordes e das guitarras velozes do punk, influenciadas por essas vanguardas do começo da década, surgiriam bandas tão díspares como Joy Division, Devo, Depeche Mode, Gang of Four e Soft Cell.
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Segregados nessa esfera Cult, os três álbuns produzidos pelo Neu!, em seus quatro anos de existência, continuaram a influenciar novas gerações e, em 2008, após a morte do baterista Klaus Dinger, o guitarrista Michael Rother – que produziu uma carreira solo de contínua experimentação ao longo de nove álbuns – juntou-se ao baterista do Sonic Youth, Steve Shelley, grande entusiasta do Neu!, e o baixista Aaron Mullan, do grupo nova-iorquino Tall Firs, para formar o Hallo Gallo – título da faixa que abre o álbum de 1972. Apesar de comporem novos temas, o repertório do Hallo Gallo é essencialmente formado pelas intrincadas teias instrumentais do Neu! e, pautado no repertório do álbum que revelou a banda ao mundo, Rother e seus dois discípulos apresentaram-se ontem à noite no SESC Vila Mariana, integrando a Mostra SESC de Artes 2010.

Se nos shows de Lou Reed, no último fim de semana, o público era eclético e de uma diversidade etária evidente, a apresentação do Hallo Gallo, embora trouxesse ao palco uma figura tão mítica quanto Reed, foi majoritariamente composta por um público jovem, que provavelmente descobriu o krautrock com o advento da internet e o compartilhamento indiscriminado de música e informação em formato digital.

Aos 60 anos, Rother mostrou muito vigor, amplo domínio de seu instrumento, e uma vocação absurda para manipular seus recursos eletrônicos, em meio a bends, riffs e estonteantes frases de guitarra. A apresentação foi, acima de tudo, uma experiência sensorial, pois além da densa música orgânica produzida por Rother e seus comparsas, com destaque para a cadência pesada de Shelley, a parafernália eletrônica e o uso intenso do pan – efeito criado em estúdio por Jimi Hendrix, que faz o som trafegar pelos alto-falantes – produziu momentos de verdadeiro transe. Graças a iniciativas pontuais como a do SESC, que ainda mantém a preocupação de agregar conteúdo a sua programação, e a esse novo público informado e interessado no novo, podemos crer que, sim, com um olho no passado e outro no futuro, o novo virá. Como diria o rapaz latino-americano, que um dia também apontou novas direções para nossa música, ele sempre vem.

Muito barulho por nada?


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