Caminho das artes

Manhã de sexta-feira (26), mais de 30 °C em Salvador. Banho de mar na Praia da Barra e uma água de coco na banca da Débora e, como se diz no Nordeste, pronto. Hora de levantar acampamento. “Deus lhe dê ‘protegimento’”, despede-se a vendedora baiana da orla.
[nggallery id=14113]

A ideia parece maluca. Reunir em vários ônibus e carros uma trupe de artistas nacionais e estrangeiros – e este repórter – em uma grande viagem para uma série de apresentações pelo interior baiano.

A caravana marca a primeira parte da 10ª edição do Mercado Cultural. O evento acontece entre 26 de novembro e 5 de dezembro, no interior baiano e em Salvador. Na programação, música, teatro, artes visuais, dança e atividades paralelas, como workshops e a Feira Internacional de Música.

Estilo circense
O estilo circense da viagem lembra o E La Nave Va, de Federico Felini. No filme, artistas e celebridades se reúnem em um navio para jogar em alto-mar as cinzas de uma cantora lírica.

Semelhante ao longa do diretor italiano – dentro do ônibus que seguia Bahia adentro -, comentários misturavam dúvida acerca do que viria à sensação interessante de rumar ao sei lá o quê.

“Terra à vista”, brincou a dançarina do grupo Balé do Teatro Castro Alves. “Não sei se chegamos, mas tem uma cidade ali na frente”, comentou a colega do mesmo grupo. Entretanto, ainda não era hora de desembarcar. Estávamos em Gandu, mas já bem perto de nosso destino.

No roteiro da caravana, Ibirataia, Valentim, Boa Nova, Vitória da Conquista e Dario Meira, localizadas na região do Médio Rio das Contas.

Depois de cinco horas de estrada – um percurso de 334 km pela BR-101, que passa por cidades como Otavio Mangabeira e Cruz das Almas -, chegamos a nossa primeira parada, Ibirataia, município de 25 mil habitantes ao sul da Bahia. Terra do cacau, a região celebra cinco décadas este ano. O calor de quase 40 °C não deixa dúvidas sobre a nota musical que poderia simbolizar a região: sol maior.

A pegada felliniana do evento se completou com a acolhida solidária. No lugar de hotel – que a cidade não tem -, todos ficam hospedados nas casas dos moradores, que gentilmente abrem suas portas.

Quem acolheu este velho repórter, já meio encurvado por tanta estrada, foi Mariana Brito. Ela e toda a cidade estão otimistas com os efeitos para a realidade cultural local, bem carente. “Cidade não tem opções”, lamenta. Em Ibirataia não tem cinema e o único teatro está vazio. “Estão faltando os atores”, reclama o adolescente Pedro Souza, de 17 anos. Sem a utilização devida, o espaço é usado para apresentação de trabalhos escolares.

Faltam atores, mas não a vontade de fazer teatro. Bia Santos, estudante de 17 anos, sonha em ser atriz, mesmo sem nunca ter assistido a um espetáculo. “Por enquanto, peça só na igreja”, diz.

Estima-se que mais de 800 pessoas lotaram a Praça Sete de Setembro durante o festejo do grupo de fanfarra de Ibirataia -, um dos poucos que ainda existe no País. A banda abriu o evento no final da tarde de sexta.

O ex-vice-prefeito, Antonio Batista, entretanto, discorda do número. Longe da política, mas dono de uma padaria ao lado do palco, ele afirma de pés juntos que, no mínimo, 4 mil pessoas se sacudiram na pequena praça.

Logo em seguida, o grupo baiano Álisson Menezes e a Catrupia chacoalhou o público com uma salada de sonoridades que vai do bumba meu boi aos cocos de embolada, entre outras manifestações folclóricas. Depois, a cidade assistiu a uma apresentação que tão cedo não verão outra vez. Com acrobacias e cantos xamânicos, o grupo coreano Noreum Machi arrancou aplausos.

Para artistas e convidados, ainda teve um bônus extra com uma atividade fora da programação oficial. Samba de caboclo em um terreiro de candomblé da região. Na praça, a comunidade continuou embalando a festa madrugada afora, mas aí já é outra história.

Acesso à cultura é um direito básico, diz Alfredo Manevy


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.