A homofobia, dez anos depois

Fevereiro
A homofobia voltou ao centro das atenções no País. Em novembro e dezembro, a luz vermelha se acendeu de novo, infelizmente. Dois casos de agressões na Avenida Paulista, em São Paulo, outro em Copacabana, no Rio de Janeiro, além de um texto contrário à aprovação da lei contra a homofobia, publicado na página da Universidade Presbiteriana Mackenzie, uma das mais tradicionais de São Paulo, e assinado pelo chanceler Augustus Nicodemus Gomes Lopes, reacenderam o debate. Em fevereiro, o site da Brasileiros lembrou da morte de Edson Néris, um marco no movimento LGBT por direitos iguais.


Há 10 anos, no dia 6 de fevereiro de 2000, o adestrador de cães Edson Néris foi brutalmente assassinado por um grupo de skinheads, em São Paulo. Homossexual, Néris estava com o namorado na Praça da República e foi surpreendido pelo grupo denominado Carecas do ABC, que o agrediram violentamente com golpes de soco inglês e chutes de pesadas botas. Dario, o namorado, conseguiu correr, mas Néris foi surrado com tal brutalidade que acabou morrendo.

Não foi o primeiro caso de crime homofóbico no País, mas foi o primeiro a chamar a atenção da sociedade, dada a cobertura da mídia, muito por causa da militância gay, que se socorreu de organizações internacionais de direitos humanos, e garantiu que a polícia e o judiciário cumprissem seu papel, detendo um grande grupo de carecas, e levando-os a julgamento (leia mais sobre o caso no blog 23B).

Hoje, passados 10 anos, o que mudou no Brasil e no mundo com relação à homofobia? Não há dúvida de que a homofobia continua, mas o que mudou foi o mundo em que se manifesta o preconceito aos homossexuais. E esse mundo está mudando rapidamente, transformando-se, de forma a integrar e acolher não apenas a diversidade racial e cultural, mas também a sexual. Quando se fala de direitos humanos hoje em dia, vai-se falar de direitos dos homossexuais, pois o impacto que causaram crimes como o que vitimou Néris mostraram à sociedade que gays também são seres humanos. Assim é no Brasil, assim é no mundo inteiro.

No Brasil, mesmo após a punição dos assassinos de Néris, até hoje nenhuma lei criminalizando a homofobia foi aprovada pelo Congresso nacional (ao contrário dos EUA). Uma única tentativa nesse sentido, o PL 122/06, está parada, sem chances de votação a curto prazo, e sob forte reação da bancada conservadora. Conforme avisou recentemente o senador Romero Jucá, líder do Governo no Senado, nenhum tema polêmico será trazido para votação nesse ano eleitoral de 2010.

Mas, nem tudo é má notícia para os homossexuais. Nos últimos 10 anos, a cidade de São Paulo mudou, e muito, em favor da comunidade gay. Em 2000, a militância gay lutava sozinha, mas já levava milhares de pessoas às primeiras paradas gays, que hoje reúnem mais de 3 milhões de pessoas nas ruas da cidade, o maior evento turístico depois do carnaval. A prefeita Marta Suplicy apoiou a causa gay desde o início de sua administração, foi a primeira prefeita a ir à parada gay e orientou toda sua administração a respeitar os direitos da comunidade LGBT. Foi Marta quem determinou o pagamento da primeira pensão previdenciária municipal à companheira de uma servidora homossexual falecida, reconhecendo a legitimidade da relação homoafetiva das duas.

Em 2005, foi criada a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual – CADS, ligada à Secretaria Municipal de Participação e Parceria, primeiro órgão institucional a lidar oficialmente com as questões dos homossexuais na administração pública. Hoje, sob a competente gestão de Franco Reinaudo, a CADS está envolvida em diversas ações, a nível municipal, que visam a inserção social e defesa dos direitos da comunidade LGBT, tornando-se uma referência mundial no assunto.

“Nos últimos anos, os homossexuais entraram no DNA da administração pública. Antes se falava dos direitos das mulheres, dos negros, dos deficientes, mas só recentemente os homossexuais foram reconhecidos enquanto minoria, e têm, agora, seu espaço na administração pública”, afirma Reinaudo.

Na esfera federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos criou, em diversas capitais, os Centros de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate a Homofobia, os quais foram sustentados, por dois anos, com recursos do governo federal, e que hoje vivem de parcerias eficazes com as administrações municipais, como, no caso, o próprio CADS.

Aqueles que ingressam na Guarda Civil Metropolitana, órgão da Prefeitura Municipal que conta com mais de seis mil homens e mulheres, passam por um curso de formação de 600 horas, em cujo currículo estão inseridos os temas de direitos humanos, dentre os quais a questão homossexual, capacitando os novos guardas municipais a lidar com a diversidade sexual.

“Trata-se de uma necessidade nos dias de hoje. Não se pode mais ignorar a existência e os direitos dos homossexuais”, diz a Inspetora Andréia França, responsável pelo Centro de Formação em Segurança Urbana. Hoje, São Paulo conta, cada vez mais, com guardas civis mais preparados para dar assistência a homens e mulheres como Edson Néris, que sofrem na pele os efeitos da violência homofóbica.

Os homossexuais ganharam visibilidade na nossa sociedade, garantiram seu espaço, e estão ganhando instrumentos que asseguram a defesa de seus direitos mais elementares, como a própria segurança. Casos como o de Edson Néris ainda ocorrem, e ocorrerão, pois onde houver homossexualidade haverá homofobia, mas os instrumentos de combate a homofobia começam a ser mais evidentes e eficazes, acenando com um futuro melhor para a comunidade gay.

Instituto Edson Néris

Além de várias transformações e ações de governos federal e municipal, foi criado em 2003 o Instituto Edson Néris (IEN). O instituto foi fundado pelo educador Beto de Jesus (atual presidente) e pelo advogado Eduardo Piza, com as participações da advogada Ana Elisa Lolli, da bióloga Claudia Gibeli e da educadora Lélia Cremona, entre outros.

Beto de Jesus lembra que o IEN não foi fundado somente por gays, já que conta com muitos heterossexuais em sua organização até hoje. Jesus diz que a idéia de fundar o Instituto, primeiramente, surgiu para homenagear Néris e para que a morte do adestrador fosse um marco para a luta contra a discriminação e violência contra os homossexuais.

“O Instituto nasce como uma instituição voltada a pesquisa e proposituras de políticas públicas de diversidade e inclusão para a comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, pessoas Trans e Intersexo) para todo território nacional”, diz ele, lembrando que o IEN acompanha de perto as ações de Legislativo, Executivo e Judiciário com relação a inclusão da comunidade gay na sociedade.

Um apoio importante conquistado pelo IEN foi o da Organização das Nações Unidas (ONU). A reivindicação de grupos LGBTI a obterem o status do ECOSOC (status econômico social confiado as ONGs para participarem mais ativamente das Nações Unidas) foi aprovado pela instituição para a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).

Beto de Jesus conta ainda que o Instituto Edson Néris vai prestar homenagem ao adestrador, lembrando os 10 anos de sua morte. O IEN está organizando um seminário, que deve acontecer no primeiro semestre, para discutir os crimes homofóbicos e todos as transformações ocorridas sobre o tema na última década.

BLOG 23B


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