A perseguição contra ele logo atingiu alto grau de sufoco empresarial. No governo de Costa e Silva, os bancos foram pressionados a não concederem crédito à Civilização Brasileira, o que causou uma queda na produção da editora. Entre as 200 prisões provocadas pelo Ato Institucional no 5 estavam as de Silveira – novamente – e de vários escritores que lançava e incentivava. Em maio de 1970, Silveira foi mais uma vez preso por publicar, cinco anos antes, Brasil – Guerra Quente na América Latina, de João Maia Neto. Em outubro de 1970, voltou para a cadeia, onde ficou até 10 de novembro, e centenas de livros foram confiscados em sua livraria. Pouco depois, houve um misterioso incêndio nos escritórios centrais da editora.
A escalada das pressões contra Silveira começou nos dias que se seguiram ao golpe, em 31 de março de 1964, quando passou a publicar uma série de livros que questionavam a legitimidade da quartelada – e que, embora tenham se tornado documentos históricos importantes, jamais seriam reeditados. A ele se juntaram intelectuais de peso, como Antonio Callado, Otto Maria Carpeaux, Marcio Moreira Alves e Edmundo Moniz, tanto para escrever quanto para organizar obras desafiadoras ao regime.
A primeira delas foi O Ato e o Fato, de Carlos Heitor Cony, com 40 crônicas suas publicadas originalmente no Correio da Manhã, do Rio, entre abril e maio de 1964. Só para dar um exemplo do teor dos textos, em 14 de abril, um dia antes da posse de Castelo Branco, ele provocou a ira dos militares ao afirmar: “Já que o Alto Comando Militar insiste em chamar isso que aí está de Revolução – sejamos generosos: aceitemos a classificação. Mas devemos completá-la: é uma Revolução, sim, mas de caranguejos. Revolução que anda para trás”. O jornalista foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e se tornou uma vítima notória da ditadura.
A postura quixotesca e humanitária de Silveira, acima de tudo, levou-o a publicar três meses depois do golpe, Palavra de Arraes, um manifesto contra a arbitrariedade e a perseguição ao governador pernambucano Miguel Arraes, deposto na tarde do dia 1o de abril e encarcerado em uma pequena cela do 14o Regimento de Infantaria do Recife. Feito às pressas, o volume reuniu depoimentos de amigos a respeito de sua idoneidade, como Callado, Moreira Alves, François Mauriac, Mário Martins e Tristão de Athayde.
Pouco depois, saiu 1o de Abril – Estórias para a História, do compositor e ator Mário Lago, em que ele relatava os 58 dias que passou na carceragem do DEOPS do Rio de Janeiro, apenas por causa de seu passado de militante do Partido Comunista. A edição chegou às livrarias junto com O Golpe de Abril, de Edmundo Moniz, editorialista e redator do Correio da Manhã. Tratava-se de uma análise temerária sobre o futuro sombrio da frágil democracia brasileira, violentada naquele momento.
Outra provocação, dessa vez com aqueles que apoiaram o golpe nas ruas, foi Assim Marcha a Família, também de 1964. O título fazia referência às manifestações organizadas pela classe média – empresários, políticos e donas de casa – para pedir que os militares derrubassem Jango. Silveira pediu a seus autores que escrevessem reportagens sobre os miseráveis de todo o Brasil, que formavam a maioria da população – sem-tetos, mendigos, prostitutas, menores abandonados, etc. Já o volume Estado Militarista, do jornalista americano Fred J. Cook, tornou-se uma forma disfarçada de mostrar os perigos de se dar poder político aos militares, como aconteceu nos Estados Unidos, durante a Guerra do Vietnã.
Ênio Silveira, no entanto, não foi o único editor a desafiar o regime na sua gênese. Organizado em tempo recorde e publicado pouco mais de um mês depois do golpe, Os Idos de Março e a Queda de Abril, da José Alvaro Editor, reuniu oito jornalistas do Jornal do Brasil, que produziram análises e reportagens elucidativas sobre a gravidade dos acontecimentos, em um catatau de 402 páginas. No grupo, estavam Alberto Dines, Antonio Callado, Carlos Castelo Branco, Wilson Figueiredo e outros “dos mais experientes e bem informados da imprensa carioca”. Eles se juntaram “para dar ao leitor uma visão histórica dos acontecimentos que revolucionaram a vida brasileira, desde o comício de sexta-feira 13 até a posse de 15 de abril”.
O ano de 1965 começou para a Civilização Brasileira com outra obra combativa. A Batalha da América Latina, do respeitado crítico cultural Otto Maria Carpeaux, trazia artigos políticos que ele publicou entre outubro de 1964 e junho de 1965, no Correio da Manhã, sobre “os graves problemas da política internacional na América Latina, com impacto no Brasil”. Ou seja, a presença estrangeira por trás do golpe. Enquanto isso, saía Anotações de um Cassado, pela Martins, com as memórias de Cid Franco, pai do compositor e cantor Walter Franco, deputado cassado e preso nos dias que se seguiram a abril de 1964. Em um texto corajoso, ele conta a arbitrariedade que sofreu em seus direitos como político e cidadão.
O título mais polêmico desse período, no entanto, sequer chegaria às livrarias. Torturas e Torturados, resultado das reportagens de Marcio Moreira Alves para o Correio da Manhã, denunciava que a tortura era uma prática contra presos comuns havia muito tempo e que o mesmo expediente vinha sendo usado contra presos políticos desde os dias seguintes ao golpe. A preparação do livro vazou e o SNI não só fotografou todos os originais, como enviou cópias para vários órgãos de repressão e segurança. A obra de Marcito, como ele era conhecido, teve todos os seus exemplares recolhidos. E a ditadura estava apenas começando.
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