Os leitores mais atentos e fiéis do Balaio já sabem que não simpatizo muito com o papa Bento 16, o ultra conservador líder religioso alemão que está fazendo de tudo para esvaziar os templos da Igreja Católica.
Desta vez, dois mil e onze anos depois da primeira versão sobre sua passagem pela terra, o Papa simplesmente resolveu inventar uma nova biografia do Filho de Deus no livro “Jesus de Nazaré, da Entrada em Jerusalém até a Ressurreição”, lançado nesta quinta-feira, em que ele nega que Cristo tenha sido um “revolucionário”.
Para ficar de acordo com as suas obsessões e gostos pessoais, e adaptá-la mais às conveniências das sacristias do que à vida dos cristãos, simples mortais como todos nós, nesta biografia o Papa afirma que Jesus “não vem ao mundo como um destruidor”, mas “com o dom da cura”, para revelar “o poder do amor”.
Para começo de conversa, quem foi que disse essas coisas que ele desmente e as que proclama? De onde tirou isso?
Bento 16 nega uma afirmação que nunca ninguém fez para fazer uma outra que reduz seu papel na história a um curandeiro amoroso. Quem foi, aonde foi que se chamou Jesus de “destruidor”?
No segundo volume do seu livro sobre a vida de Jesus Cristo, o Papa-biógrafo escreve como se fosse testemunha ocular, um contemporâneo dele: “Jesus, com sua mensagem e modo de agir, inaugurou um reino não político do Messias e começou a separar uma coisa da outra”.
Nem Cristo separou política de religião, como me ensinaram os padres no colégio onde estudei, e assim aprendemos por toda parte até hoje, lá aonde a Igreja sobrevive aos dogmas papais, nem Bento 16, exatos 2010 anos depois, foi capaz desta proeza, como demonstrou ainda no ano passado ao utilizar seu cargo para convencer bispos brasileiros a apoiar a candidatura presidencial de José Serra.
A hipocrisia do sumo pontífice, que escreve uma coisa no livro e na vida real pratica outra exatamente oposta, fica clara no contundente artigo “O Cristo que vive entre nós” escrito pelo meu velho e brilhante amigo Mauro Santayana, um jornalista que entende tanto de religião como de política.
“A afirmação mais grave do Papa, de acordo com o resumo de suas ideias, é a de que política e religião são instituições separadas a partir de Cristo. A própria história do Vaticano o desmente. A Igreja Católica _ e todas as outras confissões religiosas _ sempre estiveram a serviço do poder político, e em sua expressão mais desprezível.
Para não ir muito longe na história _ ao tempo da associação entranhada entre os reis, os imperadores e o Vaticano, durante a Idade Média _, bastam os exemplos do nosso século. Os documentos existentes demonstram o apoio da Igreja a ditadores como Hitler, considerado, por Pio XII, como `um bom católico´.
() Por acaso, não se trata de uma escolha política do Vaticano a rápida canonização do fundador da Opus Dei, como santo da Igreja, e o esquecimento de grandes papas, como João 23, e de mártires da fé, como o bispo Oscar Romero, de El Salvador?”.
Sem citar a Teologia da Libertação, seu alvo predileto desde os tempos de cardeal da inquisição responsável no Vaticano pelo julgamento de religiosos progressistas como Leonardo Boff, o frade brasileiro banido da Igreja Católica, o Papa se refere a “uma onda de teologias políticas e de teologias da revolução”, na década de 1960, que teriam por objetivo “legitimar a violência como meio para instaurar um mundo melhor”.
Pelos relatos até agora divulgados, embora queira defender exatamente o contrário, negando o papel político e revolucionário de Jesus Cristo na História, Bento 16 escreveu outro livro mais político do que religioso, mais ideológico do que teológico. Mauro Santayana foi direto ao ponto:
“Ao negar a essencial ligação entre a fé cristã e a ação política, o Papa vai além do seu velho anátema contra a Teologia da Libertação, surgida na América Latina, um serviço que ele e Wojtyla prestaram, com empenho, aos norte-americanos. Ele se soma aos que, hoje, ao separar a política da ética da justiça, decretam o fim da esquerda”.
O Papa pode brigar com fatos históricos de dois milênios atrás, mas parece bem informado sobre as dificuldades que a Igreja sob o seu comando enfrenta nos dias presentes, com a constante e crescente diminuição do seu rebanho.
Escreve ele: “Hoje o barco da Igreja, com o vento contrário da História, navega através do oceano agitado do tempo. Muitas vezes temos a impressão de que vai afundar. Mas o Senhor está presente e chega no momento oportuno”.
Que “vento contrário da História” é esse? Por acaso não é o que ele mesmo está soprando para afastar a Igreja dos seus fiéis, radicalizando cada vez mais no seu conservadorismo, perseguindo quem não come na sua mão?
De onde ele tirou esta “impressão de que vai afundar?” Quem lhe contou? Será que o Papa caiu na real? E o que ele fez até agora para evitar que isto aconteça, além de esperar pela divina providência?
Se alguém tiver respostas para estas questões todas, pode enviá-las ao Balaio. Caso contrário, será preciso esperar pelo lançamento do livro no Brasil que será feito pela editora Planeta.
Bom fim de semana a todos.
Deixe um comentário