O canto livre de Nara

Em se tratando da cantora Nara Leão (1942-1989), a contenção seria a melhor forma do tom dessa matéria – sem trocadilhos com Tom Jobim, um dos expoentes da Bossa Nova, gênero que a cantora é até hoje associada. Mas para falar sobre o espetáculo Nara, que voltou a São Paulo no último dia 11, depois de uma temporada de sucesso de público e crítica no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, temos de “desrespeitar” Nara. Não há como não usar superlativos para falar sobre a peça, que tinha estreado em São Paulo, em abril de 2010, e já tinha chamado a atenção da crítica e do público.
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Nos contidos 60 minutos de Nara, somos assombrados pela voz serena e tocante da atriz e, porque não, cantora Fernanda Couto, que interpreta Nara Leão. Ficamos absorvidos pela genialidade e transgressão de sua persona, que só conhecíamos, pobremente, como a “Musa da Bossa Nova”, o que ela de fato foi. Mas não somente isso. O espetáculo é simplesmente um deslumbramento para os ouvidos, olhos e mentes. Não há como não ficar tocado pela beleza singela da montagem que refaz (se é que isso é possível) a trajetória da carreira e da vida da cantora Nara Leão, que morreria prematuramente de câncer no cérebro em 7 de junho de 1989, com apenas 47 anos, mãe de um casal de filhos, fruto do casamento com o cineasta Cacá Diegues.

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Parte da crítica já havia comentado que um dos grandes méritos da peça (são muitos) é a pluralidade e a criatividade com que o material (texto e música) é tratado. Nara vai na contramão da grandiloquência das montagens dos espetáculos da Broadway e estabelece uma maneira muito nossa de montar musicais sobre os nossos artistas. O intimismo pontua todo o espetáculo. As mais de 20 músicas da peça, que foram gravadas pela cantora, trazem passagens da sua carreira e da sua vida. E que Nara emerge da peça?

Nara, sem rótulos
Ficamos conhecendo primeiro a menina que reunia parte dos integrantes do que ficaria conhecido como Bossa Nova, no apartamento dos seus pais, em Copacabana, nos idos de 1957, para cantar e tocar violão, bem “baixinho”, para não incomodar os vizinhos. Seria possível incomodar com as músicas que ficariam conhecidas como o maior gênero musical brasileiro e de maior repercussão internacional? Nara, que não se considerava cantora e também não era reconhecida como tal pelos músicos que frequentavam a sua casa (Roberto Menescal, Carlos Lyra, Chico Feitosa, João Gilberto, Oscar Castro Neves, Luiz Eça, Luiz Carlos Vinhas, Ronaldo Bôscoli, entre tantos outros), foi inspiradora de muitas músicas da Bossa Nova. Muito em função do seu relacionamento com o jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli. Mas o destino teria outros planos para a tímida moça, que se apresentou, na primeira vez que subiu num palco, praticamente de costas para o público.

Com o rompimento com Ronaldo Bôscoli, seu noivo na época, Nara não se sentiu à vontade para gravar músicas da Bossa Nova no seu primeiro disco (Nara, de 1964). Ela olhou para cima e viu o morro. Foi lá que encontrou os compositores sambistas (Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Cartola, entre outros) para gravar seu primeiro disco. Surgia uma Nara consciente e ciente do País e de sua gente. Veio o espetáculo Opinião e a insatisfação da ditadura militar brasileira com os caminhos dessa nova Nara. Essas passagens de sua vida estão bem colocadas no espetáculo e vão, de forma cronológica, compondo o criativo e rico mosaico que foi a carreira da cantora. “Antes do espetáculo, não tinha muita noção de quem era a Nara Leão, para além do que conhecíamos, a Musa da Bossa Nova. Nara não aceitou rótulo nenhum e seguiu seu caminho da maneira que ela ia achando que devia seguir”, contou Fernanda Couto, com exclusividade para o site da Brasileiros, por telefone, de sua casa em São Paulo. (Não perca a entrevista completa nesta sexta-feira, dia 18).

Antes do fim, o encontro com a Bossa Nova e consigo
Além das passagens da carreira de Nara, há um pouco da sua vida. Do seu casamento com o cineasta Cacá Diegues, do nascimento dos seus dois filhos, de seu exílio na Europa, no início dos anos 1970, por causa de seus posicionamentos artísticos, que desagradavam o regime militar, ao ponto de vários artistas saírem em defesa dela, que quase foi presa. Entre os artistas, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Na época, ele disse que Nara era um pássaro e, como tal, não tinha como ficar engaiolada.

O exílio estabeleceria suas pazes com a Bossa Nova, e foi lá que ela gravou um disco (Dez anos depois) totalmente dedicado ao gênero que ajudou a fundar. Nara voltaria para o Brasil e seguiria sua carreira livre e do seu jeito. Gravou Roberto Carlos e Erasmo Carlos no final dos anos 1970 (muito antes do disco de Maria Bethânia) e fez parcerias com cantores que estavam surgindo, como Fagner. A liberdade artística sempre incomodou parte da crítica, mas nunca seu público, que passou a admirar sua voz e jeito contidos. Foi no final dos anos 1970 que Nara teve os primeiros sinais da doença que a vitimaria, em 1989. Novamente, ela surpreenderia a todos, conseguindo conviver com a doença durante mais dez anos.

No texto final do encarte para um CD que o biógrafo e jornalista Ruy Castro fez para uma coleção dedicada à Bossa Nova (Folha, 50 Anos de Bossa Nova) em homenagem à cantora Nara Leão, ele termina dizendo: “Ao dar a volta ao redor de si mesma e acertar as contas com a música que ajudara a inventar, Nara se pacificou – e o mundo ao seu redor, também”. É essa Nara Leão, que fez as pazes com a Bossa Nova e consigo mesma, que está presente no belíssimo (mais um adjetivo superlativo!) espetáculo Nara, lindamente concebido, pesquisado e interpretado pela talentosa atriz e cantora Fernanda Couto. Vida longa a essas Naras!

ESPETÁCULO NARA
Quando: até dia 26/06
Sexta, às 21h30. Sábado, às 21h. Domingo, às 19h.
Onde: Teatro Jaraguá
Rua Martins Fontes, 71 – Bela Vista – São Paulo (SP)
Ingressos: R$ 40 (sexta e domingo) e R$ 50 (sábado)
Telefone: (11) 3255-4380
Texto: Fernanda Couto e Márcio Araújo
Direção: Márcio Araújo
Elenco: Fernanda Couto, Rodrigo Sanches, William Guedes e Guilherme Terra
Duração: 60 minutos
Quebrando tudo!


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